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HERÓI
Desprezado pela história oficial, o imperador dom Pedro I, aos
23 anos, teve papel ativo no jogo político de seu tempo

A imagem oficial do momento em que dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil no dia 7 de Setembro de 1822 foi eternizada na pintura do artista Pedro Américo e é o mais famoso registro que se tem dessa data histórica. A grandiosidade e imponência que se vê na tela (foto à dir.), no entanto, é um tanto fantasiosa, tão somente um símbolo do corajoso gesto do jovem príncipe que aos 23 anos rompeu com sua pátria-mãe, Portugal, e se tornou o primeiro imperador brasileiro. Documentos, cartas e relatos orais nos mostram hoje que aquela manhã em que dom Pedro I gritou “Independência ou Morte”, às margens do rio Ipiranga, não foi assim tão idílica. Ele acabara de chegar a São Paulo de uma longa e perigosa trilha pela Serra do Mar saído da cidade paulista de Santos – vestia trajes de tropeiro, montava uma mula e estava há dias sofrendo de mal estar intestinal provocado, provavelmente, pela ingestão de alimentos deteriorados. Isso lhe obrigava a interromper a viagem a todo o momento. A indiscrição foi legada à posteridade por um integrante de sua comitiva cujo relato baniu-se da história oficial do Brasil. A certa altura da jornada, um acompanhante, provavelmente o futuro barão de Pindamonhangaba, anotou: “dom Pedro apeava da montaria para prover-se” – leia-se satisfazer necessidades fisiológicas. Além da indisposição física e da ansiedade pela decisão que iria tomar, o então príncipe já não tirava do pensamento a imagem da mulher que marcaria para sempre a sua vida pessoal e política: Domitila de Castro Canto e Melo, a futura Marquesa de Santos, que ele conhecera há poucos dias. O livro “1822” (Nova Fronteira), do escritor e jornalista Laurentino Gomes, reúne detalhes prosaicos, íntimos, escatológicos e ardentes dessa tumultuada história de amor. A reconstituição desse explosivo romance é feita do ponto de vista do imperador, cujas cartas à marquesa foram preservadas por ela (dom Pedro provavelmente livrou-se das suas). A leitura dessa corresponência escrita de próprio punho ajuda a desfazer o mito, a caricatura e o estereótipo do príncipe regente, tão exaustivamente impregnado em nossa historiografia, e revela a face humanizada de uma figura chave da história brasileira. “Nosso complexo de vira-latas nos faz desprezar um decisivo momento de nossa história e também um de seus personagens mais importantes. dom Pedro é um herói brasileiro”, diz Gomes.

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O MITO
Feita sob encomenda, a tela do artista Pedro Américo retrata de forma
fantasiosa o dia que ficou conhecido como “Grito do Ipiranga”

Ao decidir romper com Portugal, dom Pedro deixou o Rio de Janeiro e viajou a cavalo os 500 quilômetros até São Paulo para apaziguar cisões políticas, selar parcerias e, então, proclamar a Independência. Foram três semanas engolindo poeira. Depois de atravessar a Serra do Mar, ele e sua guarda imperial pernoitaram nas pequenas vilas que povoavam o Vale do Paraíba – dom Pedro era recebido por cavaleiros e curiosos, pessoas que jamais tinham visto um herdeiro do Império. Muitos se juntaram à comitiva real numa romaria cívica que foi se tornando mais numerosa. O historiador Octávio Tarquínio de Sousa conta que quando o imperador passou pela cidade de Taubaté, onde dormiu, deixou o acampamento, alimentou-se com toucinhos e farinha de mandioca e passou a noite com uma prostituta. Mulherengo incorrigível, ele se envolvia com dançarinas, escravas e até freiras de conventos. Vale lembrar que uma das causas das enfermidades que o levaram a morte aos 34 anos de idade foi a sífilis.

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Entre as impressões que causou, um relato da época o descreve como “um adolescente em férias”, um gozador que perdia o amigo mas não a piada. O jeito despojado, sem pompa nem circunstância, conquistou a simpatia da população que encontrava pelo caminho. Ao atravessar um rio, por exemplo, dom Pedro dispensou a enfeitada canoa que lhe prepararam e esporeou o cavalo pela água até a outra margem do rio. Molhado pela cintura, pediu que alguém lhe cedesse uma calça seca, no que foi atendido prontamente: “Pois troquemos nossos calções”, disse ele. E o fizeram ali mesmo. O imperador dom Pedro I já foi uma referência de heroísmo e coragem no passado, mas sucumbiu nas décadas de 1960 e 1970 quando passou a ser identificado com o atraso e os desmandos das elites brasileiras. Hoje, 188 anos depois, talvez esteja surgindo uma interpretação mais humana e realista de seu legado histórico.

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