Sou carioca, nascido em São Cristóvão, o primeiro subúrbio da Leopoldina, criado na Ilha do Governador, onde eu vivia na cozinha, ouvindo as histórias das empregadas que se sentavam juntas para almoçar, depois de terminado o serviço. Papai costumava dizer que, se quisessem me encontrar, tinham primeiro de procurar na cozinha – e geralmente era lá que eu estava! Não preciso investigar as razões desta minha preferência, porque uma delas se sobrepõe às demais: sempre me fascinou o português falado ao acaso, reinventado, repartido, a língua que tropeçava e caía, para se levantar mais à frente com erros que soavam engraçados e termos que iam brotando feito grama, todo santo dia. Era diferente do português que meus pais falavam, claro, mas eu identificava em meu pai, nascido e criado em São Cristóvão, a essência do falar carioca e, principalmente, a graça do dialeto.

No início dos ensaios de “Os Produtores”, creio que no segundo dia, eu me aproximei de Juliana Paes, que comia uma empada, na hora do lanche, para estreitar os laços, já que teríamos uma longa temporada pela frente e uma boa coxia determina um bom espetáculo, quase sempre. Enfim, trocamos algumas palavras e eu percebi que havia uma cadência parecida no nosso enunciado. Ela é de São Gonçalo e nossos falares imediatamente quebraram o gelo e dali para a frente tudo foram flores.

Há um número da revista portuguesa, interpretado por Fernanda Baptista, chamado “Rapaziada da Geral”, em que ela brinca com a turma que se amontoava na galeria. A homenagem a eles é mais do que justa, já que a rapaziada da geral sempre foi quem determinou os sucessos. Eram eles que cantavam juntos num coro que vinha de muito mais longe do que se possa supor, um coro que atravessou os mares e aportou naquela cozinha mítica da minha infância.

No belo Teatro Municipal de Paulínia, no interior de São Paulo, apresentando “A Gaiola das Loucas” para uma plateia delirante, de que vamos nos lembrar com alegria até o fim dos dias, eu me dei conta de que, na comédia, independentemente dos falares regionais, há um tempo preciso para cada sentimento, porque é a respiração que traz à tona o subtexto e a boa comédia, em última análise, vive tanto dele quanto da situação. No meio do segundo ato, quando a farsa de Poiret decola para o delírio, eu subitamente lembrei-me das gargalhadas de Abigail, Naíde, Marlene, Jurema, Iolanda e tantas outras que iam e vinham na ciranda de babás, cozinheiras e lavadeiras. Elas me deram o ponto e vírgula necessário para arrancar a gargalhada no momento exato. Enquanto Diogo Vilela cantava que a vida é uma só e já anda murcha a rosa do verão, fiquei emocionado e imaginei, sentado no imenso palco, que elas tinham recebido alguma graça e estavam nos assistindo, junto com a falange dos bons espíritos que habitam as coxias e os urdimentos dos teatros.

Ao final da última sessão, após duas semanas inesquecíveis, ficamos todos no palco, numa alegria de crianças, orgulhosos de cada palavra bem dita e cada intenção bem acabada. O teatro é único porque promove essa partilha de encanto e entendimento entre os atores e a plateia e, acreditem, quando a rapaziada da geral diz sim, não há quem os faça mudar de ideia.