A enxaqueca é um tormento. Estima-se que o mal, um dos tipos mais cruéis de dor de cabeça, atinja 13% dos brasileiros com mais de 18 anos. Ou seja, um contingente aproximado de 14 milhões de pessoas que, no momento da crise, não toleram a luz, o barulho e cheiros fortes, entre outros problemas. Geralmente, são incômodos tão graves que a vontade delas é se isolar até a dor passar. Por isso, em certos casos, suas consequências não se limitam ao mal-estar do portador, podendo afetar o trabalho e o convívio social. Velha conhecida da medicina, recentemente a enxaqueca começou a ser encarada como uma doença crônica que necessita de tratamento contínuo. Tal qual a diabete ou a hipertensão.

Essa abordagem pode fazer a diferença na luta contra o mal – caracterizado por ser uma dor episódica e intensa. Ao se darem conta disso, os médicos concluíram que era necessário mudar a forma de encará-la.

Além disso, chamam a atenção para o perigo de a enxaqueca se tornar progressiva e diária. O perigo, porém, não é uma ameaça para a maioria dos enxaquecosos, como os portadores são chamados. A progressão do distúrbio varia de acordo com a pessoa. E envolve outros fatores. “O desafio é identificar os indivíduos mais propensos a essa evolução”, afirma o neurologista brasileiro Marcelo Bigal, pesquisador do Centro de Cefaléia da Nova Inglaterra, em Connecticut (EUA).

Sensível – Mulheres e obesos estão entre os mais ameaçados de manifestar esse quadro evolutivo. O fator mais preponderante, no entanto, é o abuso de analgésicos, uma situação comum. Dados do Ambulatório de Cefaléia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostram que 40% dos pacientes chegam ao local por conta da automedicação. Quem lança mão desse remédio com frequência não sabe que contribui para a piora da dor. A razão? O cérebro possui uma produção natural de substâncias analgésicas. Se a pessoa toma analgésicos constantemente é como se o órgão entendesse que não precisa mais desempenhar essa função. “A produção pelo corpo é deprimida. Ao acabar o efeito do remédio, surge a dor de rebote e mais uma vez o paciente precisa recorrer a um novo comprimido. O consumo de duas pílulas semanais contribui para disparar esse mecanismo”, diz o neurologista Abouch Krymchaantowski, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Por aumentar as crises, o exagero de analgésicos pode tornar o organismo mais predisposto a apresentar outra crise. Se elas se intensificam, ocorre  a sensibilização do sistema nervoso central. O cérebro fica mais suscetível  aos estímulos externos (stress, luzes fortes e determinados alimentos) que deflagram a enxaqueca à medida que os ataques de dor se repetem. Se antes  três noites maldormidas geravam a cefaléia, com a sensibilização o problema  pode surgir com uma noite de insônia.

A única forma de quebrar o ciclo é parar de usar analgésicos. E para isso a medicina dispõe de recursos. Se o paciente tem com frequência a dor de cabeça de rebote pode ser necessário indicar remédios à base de corticóides durante os primeiros 14 dias do tratamento. “É uma forma de ele passar por esse período de desintoxicação sem tanto sofrimento”, explica Bigal. As crises podem até surgir, mas com a ação do remédio são menos intensas e suportáveis.

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O tratamento-padrão contra enxaqueca é feito com drogas que tratam os sintomas. Fazem parte dessa lista os triptanos. Essas substâncias têm ação rápida e combatem a inflamação dos vasos sanguíneos do cérebro – uma etapa da enxaqueca. Os triptanos ajudam ainda a dilatar essas estruturas, aliviando a dor. Outra categoria que se destaca é a dos neuromoduladores. Entre eles está o Topamax (topiramato). Adotado contra a epilepsia desde 1997, ele recebeu neste ano a aprovação para tratar a doença. O princípio ativo mostrou-se eficaz para diminuir a excitação cerebral, responsável pelo aparecimento do distúrbio. A escolha do tratamento é feita pelo médico. “A terapia correta diminui a intensidade e a frequência da enxaqueca. Há pacientes que ficam muito tempo sem sentir dor”, conta o neurologista Deusvenir Carvalho, da Unifesp.

Dieta – Porém, os cuidados não se restringem a medidas medicamentosas. Identificar os vilões capazes de deflagrar a enxaqueca alivia a vida de muita gente. Foi o que aconteceu com a professora Karin Kmiliaufkis, 23 anos, de São Paulo. Desde os 15 anos, ela sofre de enxaqueca, mas há dois anos não têm mais crises. Ela faz um tratamento à base de remédios e cuida da alimentação. Karin cortou do cardápio o consumo de café, frutas ácidas e embutidos. “Controlei o problema ao descobrir os alimentos que me faziam mal”, afirma. Medidas assim são fundamentais. Para diminuir a frequência de ataques, o paciente precisa levar uma vida mais regular. Isso implica em tentar dormir bem, não pular refeições e praticar uma atividade relaxante.


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