O ex-prefeito Paulo Maluf saiu da última disputa eleitoral com a pior performance de sua trajetória, mas fazendo a linha objeto de desejo. Com 11,9% dos votos válidos, seu apoio tinha potencial para pesar na disputa entre dois consumidores vorazes: a petista Marta Suplicy e o tucano José Serra. O problema é que ele também era cobiçado pela Justiça e pela Polícia Federal. Indiciado em cinco modalidades de crime e intimado a esclarecer uma gravação divulgada por ISTOÉ na semana passada, Maluf virou o infiel da balança. No cenário político, todos querem distância de sua figura. “Foi armação dos tucanos para prejudicar meu apoio no segundo turno”, escanteou na quarta-feira 13, após depor no Gaeco, o Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público.

O episódio da gravação é a mais recente encrenca do ex-prefeito, objeto de uma série de investigações. Nos registros, feitos por Armando Mellão, ex-presidente da Câmara Municipal, o vereador Brasil Vita (PP) negocia valores, em nome de Maluf, para a retirada de acusações de desvio de dinheiro público feitas contra o ex-prefeito. Em junho, Mellão havia denunciado que, durante a administração Maluf (1993-1996), empreiteiras entregavam caixas de uísque repletas de dólares ao secretário de Obras, Reynaldo de Barros, de quem Mellão foi secretário particular. Pela denúncia, a maior parte do dinheiro destinava-se ao então prefeito. Testemunha na investigação sobre improbidade administrativa, Mellão garante que, após receber proposta de Vita para voltar atrás nas declarações, decidiu registrar as conversas, com o aval do Ministério Público. “Gravei para me defender. Não teve armação tucana, não teve nenhum tipo de mutreta”, diz Mellão. “Nem conheço o José Serra pessoalmente.” Nas conversas, os dois também falam de outros temas. Alguns corriqueiros, como o tempo. Outros, indiscretos, caso da referência à coleção de tapetes persas de Maluf, apontado por Vita como “um homem de quase US$ 1 bilhão”. Há também tópicos deselegantes, como Vita, do alto de seus 82 anos, criticando a senilidade de seu líder político, nove anos mais novo. De quebra, o vereador revela a Mellão que existia um esquema de propina no setor de transporte e que o ex-prefeito mandava comprar diamantes em Nova York. Dois novos inquéritos serão abertos para apurar a inconfidência.

Na investigação do Gaeco, sobre corrupção de testemunha, Vita confirmou o teor dos diálogos. Acrescentou, porém, que sabia estar sendo gravado. É a sua terceira versão sobre o episódio. Procurado por ISTOÉ, na semana anterior falou que “não sabia dessas conversas”, que seria um despropósito do Mellão gravá-lo. Meia hora depois, ligou contando que havia sido procurado pelo ex-presidente da Câmara e decidira ver até onde Mellão chegaria, mas não comentara nada com Maluf. “A questão de quem procurou quem é um ponto a esclarecer”, afirmou o promotor José Reinaldo Carneiro, do Gaeco. “Mas a perícia não deixa dúvidas sobre a autenticidade e espontaneidade das conversas.”

Em laudo, o perito Ricardo Molina, do Instituto de Som, Imagem e Texto, analisa minúcias dos diálogos, das características técnicas da gravação ao timbre das vozes, passando pelo “predomínio de galicismos”, o uso de termos emprestados do francês, em detrimento de anglicismos. Conclui que não há nenhum indicador de situação artificial, como o registro de uma fala ensaiada. “Há uma certa prevenção por parte do Mellão, mas o Vita não tem papas na língua. Está livre, leve e solto”, comentou Molina.

Maluf, por sua vez, declarou ao Gaeco que soube das gravações por ISTOÉ. Aos promotores, não citou a suposta armação tucana, mas atacou Mellão, chamando-o de desqualificado, por ter sido preso, em março, por tráfico de influência. No dia anterior, o ex-prefeito havia adotado outra tática de defesa. Convocado pela Polícia Federal, apelou para o direito de só falar em juízo. Terminou o depoimento indiciado em cinco crimes: lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal, formação de quadrilha e peculato. Ainda assim, no seu inconfundível estilo, deixou o edifício da polícia fazendo o “V” da vitória. Com base em 20 quilos de documentos enviados pela Justiça suíça, seu filho Flávio foi indiciado nos mesmos crimes. Os investigadores pretendem ainda ouvir outros integrantes da família, cujos nomes aparecem na papelada bancária. O ex-prefeito Celso Pitta (1997-2000) já havia sido indiciado no inquérito, em março.

Todo esse imbróglio começou no final de 2001, com revelações feitas pela então mulher de Pitta, Nicéa. De lá para cá, ela respondeu, sem perder nenhuma, a 38 ações movidas pelos acusados. “Até hoje não me conformo com a falta de infra-estrutura da promotoria”, diz Nicéa. “Mas os promotores estão sendo incansáveis.” Um deles, Sílvio Marques, está desde o começo no caso e responde pela apuração que trata de recuperar bens extraviados. Alvo preferencial dos ataques de Maluf, que se diz perseguido, Marques encerra o trabalho nos próximos dias. “Temos know-how para trazer de volta o dinheiro retirado dos cofres públicos”, afirma. “Demora, pois depende de uma série de procedimentos, mas um dia chega.”

Marques também é responsável por uma investigação sobre enriquecimento ilícito contra o vice de Serra, Gilberto Kassab (PFL), secretário de Planejamento na administração Pitta. Na estratégia da campanha petista, ele é a bola da vez. “Os tucanos querem esconder o Kassab, mas nós vamos mostrá-lo”, anunciou José Genoino, o presidente do PT, na véspera do debate da Rede Bandeirantes. “Marta reconstruiu São Paulo depois do desastre de Pitta. E Kassab participou desse desastre. Quanto a Maluf, Serra avisou que não quer seu apoio. No palanque, Marta também não quer, embora sonhe com os votos malufistas. Por via das dúvidas, seu vice, Rui Falcão (PT), se antecipou contra ataques ao apoio. “Indiciado não é culpado”, declarou. Até o dia 31 de outubro, muita água vai rolar.

Caixa-alta – Apenas uma conta de Maluf na Suíça, a Red Ruby, tem 27 subcontas. Uma delas tem oito subcontas, que, num único dia, movimentaram US$ 294 milhões (quase R$ 900 milhões), segundo a Justiça