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DOIS MOMENTOS
Lula com FHC, em 1978, e com Dilma, na segunda-feira 23, na porta da Mercedes-Benz

 

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Trinta e dois anos separam as duas imagens acima. Na primeira delas, um líder sindicalista de cenho cerrado, cabelos e bigodes negros distribuía um monte de panfletos na entrada da fábrica da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo, acompanhado por um jovem intelectual pouco familiarizado com aquele ambiente fabril. Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, apresentava aos trabalhadores do ABC o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, magro, cabelos escuros, camisa esportiva, carregando nas mãos uns poucos exemplares do jornalzinho de propaganda. Corria o ano de 1978 e Fernando Henrique se lançava candidato ao Senado pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Chico Buarque de Holanda tinha criado um jingle para ele: “A gente não quer mais cacique/ a gente não quer mais feitor/ a gente agora está no pique/ Fernando Henrique senador.” Lula não suportava políticos. Em maio daquele ano ele havia surpreendido o governo militar ao liderar uma greve de metalúrgicos em São Bernardo, desafiando os generais da ditadura. Pressionado por intelectuais que apoiavam o movimento sindical, porém, Lula acabou aceitando entrar na campanha do MDB. Levou Fernando Henrique às portas de fábrica e rodou com ele pelo interior de São Paulo. O “príncipe dos sociólogos” conseguiu se eleger primeiro suplente do senador Franco Montoro e, quatro anos depois, assumiu a vaga, dando início à carreira política que o levou à Presidência.

A foto mais recente é da madrugada da segunda-feira 23. O presidente Lula estava de volta à entrada da Mercedes. Desta vez, apresentava aos metalúrgicos a candidata que escolheu – sem a pressão de intelectuais – para sucedê-lo. “Trouxe ela [Dilma Rousseff] aqui para pegar um pouco de energia na porta de fábrica, que foi onde tudo começou”, disse aos metalúrgicos. Passava pouco das 5h30 quando Lula chegou com cara feliz, acompanhado da primeira-dama, Marisa Letícia. Só voltou a ficar parecido com aquele metalúrgico carrancudo dos anos de chumbo quando constatou a desorganização do evento. Passou um pito geral e decidiu ele mesmo coordenar a apresentação de Dilma. Do alto do caminhão de som, explicou: “Eu queria aquela coisa normal, que a companheira Dilma pudesse ir lá no corredor onde vocês (funcionários) entram, para cumprimentar cada companheiro.” A ideia não era fazer comício, segundo ele. “Afinal de contas, não é sempre que um trabalhador pode pegar na mão de uma mulher presidente da República.” E, virando-se para Dilma, avisou: “Depois vou ajudar esse pessoal a telefonar e falar: ‘presidenta, sabe aquilo que a senhora falou na porta da fábrica às seis da manhã? Nós não esquecemos’”.

Como nos velhos tempos, Lula estava à vontade. Mal começou a discursar, apontou para um metalúrgico no meio da massa, o “Zé do Mato”, antigo companheiro de diretoria do sindicato. Contou que, certa vez, o operário resolveu presenteá-lo com uma galinha d’angola, “magra de dar dó”. O povo sorriu. Zé do Mato acenou para o presidente em retribuição, mas corrigiu a história para ISTOÉ: “Eu dei para ele seis galinhas. E elas eram todas gordinhas, o Lula tá de sacanagem”, divertiu-se. “Lula é assim. No ano que vem, quando ele deixar a Presidência e voltar para cá, prometi dar um casal de gansos para ele. Os bichos já estão engordando”, disse Zé do Mato.

A São Bernardo para a qual Lula promete voltar depois de deixar a Presidência também não é mais aquela de seus tempos de metalúrgico. O “berço do sindicalismo nacional” tinha, no final da década de 70, pouco mais de 80 mil moradores. Agora soma 800 mil almas. Com PIB per capita de R$ 32.677 é o 114º município do Brasil. Seu IDHM de 0,834 coloca São Bernardo entre as 100 melhores cidades para se viver no País, embora 18% de sua população seja formada por pobres e indigentes, amontoando-se em 259 favelas. Hoje em dia, a cidade não tem mais como receber grandes indústrias, pois metade de seus 408 km² estão comprometidos com áreas de proteção de mananciais e reservas florestais.

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Quanto ao emprego, São Bernardo encolheu nessas três décadas. Em 1978, quando Lula visitou a Mercedes com Fernando Henrique, empregava 129,7 mil metalúrgicos e chegou a ter 159 mil em 1989. Hoje, os metalúrgicos locais são 100 mil e já não lideram os índices de correção salarial do País, como nos velhos tempos. No ano passado, fecharam acordos salariais com aumento real de 3%, enquanto outros sindicatos correlatos da capital conseguiam até 5,2%. “São Bernardo perdeu a importância industrial”, afirma o consultor de empresas André Beer, ex-presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Automóveis (Anfavea). Segundo ele, o sindicalismo agressivo e as boas ofertas de outros Estados foram os verdadeiros culpados pela evasão industrial do ABC. Na mesma linha, o economista Miguel Herídia, da PUC-SP, considera que a fuga de indústrias da região é resultado de uma guerra fiscal predatória, da falta de iniciativa política, dos altos salários da região e de um sindicalismo raivoso. Já a professora de história social da PUC-SP, Fabiana Scoleso não concorda com estas avaliações. Para ela, a queda no número de postos de trabalho para metalúrgicos no ABC está mais ligada à reestruturação industrial e nada tem a ver com os enfrentamentos sindicais. “Surgiu um novo sindicalismo na década de 1990 em São Bernardo, muito mais propositivo e de negociação. É completamente diferente do do passado, quando as lutas tinham uma postura de confronto”, diz ela. O atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, diz que não sonha mais com o crescimento local: “Nosso objetivo não é trazer novas fábricas, mas manter as que existem”, diz ele.

Do alto do caminhão de som, na madrugada do dia 23 de agosto, Dilma disse conhecer os problemas de São Bernardo. E, mesmo avisada pelo presidente Lula de que, no futuro, seria cobrada pelas promessas feitas ali na porta da Mercedes, ela se disse disposta a enfrentar a situação: “Firmo um compromisso sagrado porque governo tem de ter lado. E o nosso é um só: o do crescimento econômico e emprego”, afirmou a candidata petista. Lula aplaudiu.

Um palácio brasileiro
Além da reforma geral, Planalto agora conta apenas com móveis produzidos por artistas e artesãos nacionais
Hugo Marques

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BLINDADO
Amorim visita Lula no novo gabinete, agora a prova de balas

Mais do que reformas estruturais, o Palácio do Planalto, reinaugurado na quarta-feira 25, trás um novo conceito.
Trata-se agora de um palácio efetivamente brasileiro, um palácio que apresenta e representa o País. Os móveis e objetos que o decoravam antes da reforma tinham origem em diversos lugares do mundo, principalmente da Europa. Todos foram substituídos por peças que carregam assinatura de designes brasileiros, o que torna o ambiente uma espécie de pavilhão de exposição da produção artística nacional. O gabinete presidencial, onde visitantes estrangeiros são recebidos, deixou de ocupar os fundos do prédio. Ampliado e com os vidros blindados, o salão, mobiliado com as mesmas peças que decoravam o gabinete de Getúlio Vargas, está instalado na frente do Palácio, com vistas para a praça dos Três Poderes, o que permite aos visitantes a observação do espaço que melhor resume o projeto futurista da capital do Brasil.

O engenho e a arte brasileiros podem ser vistos nos 600 móveis doados pelo Senado e pela Câmara, de períodos diferentes. Predominam as 70 peças do arquiteto Oscar Niemeyer, que desenhou os mais importantes prédios públicos de Brasília, inclusive o próprio Palácio do Planalto, além de mais de mil mesas e cadeiras do designer Sérgio Rodrigues, agora restauradas. A reforma toda custou R$ 103 milhões. Outra mudança permitiu a entrada da luz natural, antes impedida por persianas. O salão com mesa oval, onde são feitas as reuniões ministeriais, ganhou o nome de “Sala de Reuniões Supremas” e também está mais claro. Várias salas foram retiradas do terceiro andar, que ganhou um vão com vista para a praça dos Três Poderes. No gabinete do presidente Lula, o piso de carpete foi substituído pelo mármore. “Este palácio é aberto e iluminado”, disse o publicitário inglês Roger Bilder, que na quinta-feira 26 tirava fotos com a esposa, a artista plástica Alison Dunhill. “A transparência do vidro e a disposição do concreto dão um ar de leveza ao ambiente”, disse a artista. “O palácio ficou mais bonito e mais moderno, mas o mais importante da reforma não é o que aparece”, explica o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. “Ficou mais seguro, já que o grau de deterioração das instalações era grande”, diz.

 

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HISTÓRIA
Móveis da sala de Lula eram usados por Getúlio Vargas quando
o Palácio do Catete era a sede do executivo

A reforma também retirou os carpetes de dezenas de salas, onde os pisos agora são de madeira nobre, ipê escuro de 15 cm. O subsolo ao lado do palácio ganhou uma garagem coberta para 500 carros. Na frente do estacionamento, foi construído um muro reforçado de concreto, com grade de aço. Nos fundos do prédio, ergueu-se uma grande barreira de placas gigantes de concreto, com cerca de cinco metros de altura e 150 metros de comprimento. Na lateral do prédio, foi construída uma saída de emergência com escadas e elevadores. A ampliação dos espaços obrigou algumas dezenas de servidores a se mudar para o prédio anexo. Quem ficou feliz com a reforma foi Oscar Niemeyer, que a defendia há muito tempo. O arquiteto sempre criticou a falta de cuidado com os monumentos de Brasília. Mas desta vez não houve polêmica. A reforma do Palácio do Planalto traz a assinatura do escritório Niemeyer.


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