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São sete horas e vinte e dois minutos da noite da sexta-feira 1º. Audaciosos alpinistas, 17 ao todo, estão em silêncio (e contemplam um gelado silêncio) dada à alegria e emoção de terem galgado os 8.611 metros de altitude do segundo pico mais alto do mundo, a traiçoeira montanha K2, no Himalaia (o pico mais elevado é o Monte Everest, no Nepal, com 8.850 metros). Eles estavam praticamente no topo da Terra, coração alegre pela missão cumprida, sensação de que o céu é o limite quando se combina técnica e obstinação, boca seca e lábios cortados de frio, ouvidos para o vento, olhos para o cenário totalmente branco. Oito minutos se passaram, exíguos oito minutos de contemplação mas que valeram sim o desafio dos oito mil metros vencidos, e então já era hora de começar a descer. Impossível não vir à mente o que ensinaram outros alpinistas que já conquistaram esse mesmo topo: 270 escaladores, segundo o Ministério do Turismo do governo do Paquistão. A lição é inquietante: é justamente nesse movimento, no da descida, que a K2 leva o nome de Montanha da Morte, com seu gelo duro feito rocha e escorregadio como azulejo ensaboado. Descendo-se cerca de 400 metros, chega-se a esse ponto mais perigoso da volta, o Gargalo da Garrafa, onde o oxigênio sofre redução de 70% e a temperatura beira os 30 graus negativos. No Gargalo da Garrafa sabe-se que 66 alpinistas já morreram e estima- se que outros 50 tenham simplesmente desaparecido – é comum encontrar lá ossos de pernas e luvas avulsas como que brotadas do próprio gelo. Assim, não é sem motivo que essa região da K2 recebeu também a denominação de “a montanha das montanhas”, frase cunhada pelo famoso alpinista italiano Reinhold Messner. “A K2 não é a mais fatal em número de vítimas, mas há estatísticas mostrando que os riscos de morrer em sua descida é três vezes maior do que na do Monte Everest”, disse certa vez Messner.

i55344.jpgOs 17 alpinistas mal haviam chegado ao Gargalo da Garrafa quando o silêncio, agora não somente contemplativo, mas também de profunda concentração, foi abruptamente rompido. Um erro humano é fatal, e esse tentase a todo custo evitar com a habilidade e o conhecimento técnico. Uma desdita da natureza, essa é imponderável, dela só se pode tentar escapar – ou se esconder. Pois bem, foi a natureza que se manifestou com o desprendimento de um imenso bloco de gelo: é começo de uma avalanche, o bloco avança sobre o grupo, é o pânico e a certeza de que a Montanha da Morte não se rendera àquele grupo. A placa gelada, que se soltara, rompeu as cordas fixas que seguravam os homens e uma mulher em sua escalada. Todo o trajeto de volta, até onde os olhos podiam alcançar naquele inferno branco, estava agora bloqueado. O acampamento mais próximo, o de número quatro, virara mera miragem. O céu do Himalaia fazia-se testemunha da agonia e da impossibilidade de um rápido socorro e resgate: até a terça-feira 4 confirmavam-se a morte de 12 alpinistas (o governo chinês falava em 16) e contavam-se cinco sobreviventes. Dois holandeses, milagrosamente, foram os primeiros que conseguiram retornar ao acampamento de origem e foram eles que deram o alarme – um desses sobreviventes se chama Wilco Van Rooijen. Desceram sem cordas e conseguiram se abastecer de água no acampamento quatro. Salvaram- se porque estavam mais afastados do grupo. Também assim fizeram o caminho de volta outros três sobreviventes. Os cinco, até a terça-feira, haviam sido resgatados por helicópteros no próprio acampamento de partida a apenas cinco mil metros do solo, mesmo porque, além desse ponto, poucas missões de salvamento tiveram sucesso na K2. Os relatos impressionistas da tragédia são justamente desses afortunados que sobreviveram à K2.

“Chegamos ao topo. Na volta nos vimos em meio a um inferno branco”, disse Van Rooijen no hospital militar em que ficou internado. Ele contou também que diversas expedições atravessaram o mês de julho à espera de uma melhora nas condições climáticas e o grupo ao qual pertencia concordou em escalar o último trecho da Montanha da Morte na sexta-feira porque os ventos, até então inesperadamente fortes para essa época do ano na região, perderam bastante força. Quanto à descida, Van Rooijen se recorda de uma cena que já arquivou na memória como “a mais trágica dos meus 40 anos de vida”: ele viu, bem perto de si, um pedaço, apenas um pedaço do bloco de gelo que gerou a avalanche, levar consigo dois companheiros nepaleses: “Eles foram irremediavelmente arrastados no Gargalo da Garrafa”.

i55345.jpgOutros acidentes na Montanha da Morte
Estima-se que houve 260 “conquistas” do cume. Pelo menos 66 pessoas morreram no ponto conhecido como Gargalo da Garrafa, região mais perigosa da K2

A cada 4 pessoas que chegam ao topo da K2, 1 morre

Rota da tragédia
Na difícil escalada dos 8.611 metros de altitude, os 17 alpinistas acamparam para descansar e se alimentar. Na sexta-feira 1º, eles chegaram ao topo da montanha K2. Na volta, foram surpreendidos por uma avalanche, 12 morreram. Até a terça-feira 4 havia cinco sobreviventes: eles conseguiram descer sem cordas e foram resgatados no acampamento-base pelo Exército do Paquistão.

 

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