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Conseguir que indivíduos com paralisia das mãos, braços ou pernas recuperem os movimentos ainda soa mais como um milagre do que algo real. Pois é hora de rever esse conceito. A humanidade nunca esteve tão perto de alcançar esta conquista e permitir que milhões de portadores de deficiências tenham chances concretas de reaver a mobilidade. O avanço sem precedentes se deve a uma das mentes mais brilhantes da atualidade, o cientista brasileiro Miguel Nicolelis, 47 anos, diretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, nos Estados Unidos. Médico formado pela Universidade de São Paulo, ele é uma das estrelas da neurociência mundial e seu nome é citado como um dos candidatos ao Prêmio Nobel. Sua meta é entender o que o cérebro faz e avançar na compreensão das interfaces entre o órgão e as máquinas. É por isso que suas descobertas também estão na lista das tecnologias que vão mudar o mundo do renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.

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De fato, as descobertas do brasileiro a respeito do cérebro humano são impressionantes. Os achados estão permitindo o desenvolvimento, por ele e sua equipe, de um sofisticado sistema que permite o envio de comandos cerebrais para que o corpo faça movimentos mesmo em pessoas com lesões que impedem esse processo. O sistema foi batizado de neuroprótese e a previsão é que ele passe por sua primeira prova de fogo em seres humanos já no ano que vem. Nos experimentos feitos até agora, tem se saído muito bem. Exemplo disso foi a experiência realizada em janeiro com uma fêmea do macaco-rhesus chamada Idoya. Nicolelis conseguiu fazer com que a macaca, nos Estados Unidos, movesse um robô do outro lado do mundo, no Japão. Quando a macaca pensava em andar, o robô andava também. "Pela primeira vez, sinais elétricos cerebrais foram usados para fazer um robô caminhar", celebrou o cientista. No teste, o médico observou outros fenômenos até então desconhecidos. "Os sinais enviados pelo cérebro de Idoya chegaram mais rápido ao Japão via internet do que à perna dela", disse.

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A próxima etapa será comprovar que um ser humano também pode controlar uma prótese com o pensamento. "Possivelmente esses testes serão feitos com pacientes sem movimentos na mão ou braço", revela o neurocientista Koichi Sameshima, da Universidade de São Paulo e diretor do Laboratório de Neurociências montado por Nicolelis dentro do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. A primeira etapa desses testes deve começar no segundo semestre no Brasil dentro do hospital paulistano. Com a colaboração do neurocirurgião Manoel Jacobsen Teixeira, coordenador do Núcleo Avançado de Dor e Distúrbios do Movimento da instituição, serão colocados eletrodos especiais no cérebro de pacientes com mal de Parkinson, doença que prejudica a coordenação motora. Os artefatos serão inseridos em uma cirurgia tradicional para o tratamento da doença. Eles registrarão os sinais elétricos emitidos pelos neurônios durante a realização de movimentos. Isso é possível porque a intervenção é feita com os doentes acordados. "Podemos pedir a eles que façam pequenas tarefas para ver as áreas do cérebro mobilizadas", explica Jacobsen. Nos Estados Unidos, 28 parkinsonianos já passaram por essa experiência. "Queremos distinguir e ouvir o cérebro para prever os movimentos a partir da sua atividade elétrica", explica Sameshima. Na verdade, ouvir o cérebro está longe de ser uma metáfora. "As células se comunicam por eletricidade. Cada uma e cada região têm um som peculiar. A gente aprende a se localizar no cérebro quando está operando não só pelas coordenadas tridimensionais, mas pelo som. Passei 20 anos ouvindo isso", diz Nicolelis.

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A partir do que for coletado após esse experimento, Nicolelis pretende basicamente repetir, em humanos, o que foi feito para possibilitar que a macaca movesse o robô no Japão. Depois, sim, virá o teste final com a neuroprótese. Um paciente terá implantados no seu cérebro um eletrodo e um chip. O eletrodo captará os sinais elétricos dos neurônios na realização de movimentos. E o chip os enviará – por radiofreqüência – a um microprocessador preso a uma roupa robótica que o deficiente vestirá. O aparelho traduzirá as instruções dos neurônios em comandos digitais para fazer a veste executar o movimento desejado. A roupa terá pequenos motores nas articulações com potência suficiente para gerar movimentos do corpo.

i55448.jpgOutras tentativas de devolver mobilidade a quem já a perdeu estão sendo feitas ao redor do mundo. Muito se tem pesquisado neste sentido, por exemplo, usando células-tronco – elas poderiam gerar novas células e substituir as lesadas. Em Israel, a empresa Argo Medical Technologies testa também um equipamento, o ReWalk, que funcionaria mecanicamente para ajudar na execução dos movimentos. E nos Estados Unidos, outros grupos fizeram ensaios com a implantação de chips no cérebro de pessoas com tetraplegia. Isso aconteceu em 2006, mas a experiência não deu certo.

A grande aposta, porém, é no projeto pioneiro de Nicolelis. Prova disso é o quanto seu programa tem mobilizado instituições importantes mundo afora. Só para se ter uma idéia, em outubro deste ano será lançado o Walk Again Project (Projeto Andar de Novo), uma rede formada por laboratórios e companhias em que cada um dos membros vai se responsabilizar por uma parte da criação da neuroprótese. O consórcio tem elos no Japão, França, Alemanha, Suíça, Estados Unidos e Brasil.

Outro sinal da importância da empreitada do cientista é que parte de seu financiamento é do Defense Advanced Research Projects Agency, uma área do Pentágono que custeia pesquisas de interesse estratégico para os Estados Unidos. Trata-se da mesma agência que embalou o nascimento da internet. No caso do projeto do brasileiro, a intenção americana é clara. "Nos Estados Unidos há milhões de mutilados por causa das guerras", explica Nicolelis. No Brasil, quem acompanha o drama de deficientes físicos também aposta nas idéias de Nicolelis. "Não tenho dúvida de que a neuroprótese é o caminho", diz a médica fisiatra Linamara Battistella, secretária estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo. Para o neurocientista Luiz Eugênio Mello, da Federação de Sociedades de Biologia Experimental, a neuroprótese é uma das áreas mais avançadas de pesquisa no mundo. Porém, ele levanta uma questão importante. "Os pacientes devem olhar com esperança para essa possibilidade, mas ter em mente que talvez ela não seja a solução para todos os casos", diz.

Quando não está embrenhado nos labirintos da mente, Nicolelis investe seu tempo na costura de parcerias para fomentar o Instituto de Neurociências de Natal, o outro sonho de sua vida. Trata- se de um centro de pesquisa e de educação para disseminar conhecimento em áreas pobres do Brasil. Até agora, ele já criou duas escolas, uma em Natal e outra em Macaíba (RN), que atendem mil jovens. Na semana passada, ele fechou acordo com o governo da Bahia para criar outra escola na cidade de Serrinha, na região do semi-árido, e, se tudo der certo, outra para mais 600 crianças em Salvador. Qual a recompensa? "As crianças mudaram. Agora têm sonhos, querem ser astrônomos, geólogos. Há alguns meses, as meninas, por exemplo, queriam ser modelos", diz. Tanto o projeto do Instituto de Neurociências quanto as escolas são mantidos por doações da Fundação Safra, dos ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação e recursos privados. "Quero chegar aonde ninguém nunca foi. Alguns cientistas americanos me disseram, há 20 anos, que era impossível fazer o que estou fazendo em neuroprótese hoje. Mas sempre acreditei que, como dizia a minha avó, sonhar pequeno e sonhar grande toma o mesmo tempo."

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