i55388.jpgDono de um prêmio Nobel, o economista americano Milton Friedman definiu a classe média como “aquela que tem um plano de ascensão social bem definido para o futuro”. No Brasil, onde 51,89% da população economicamente ativa já pertencem à classe média, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o plano para o futuro imediato inclui casa própria e um meio de transporte, seja carro, seja motocicleta. “Um dos reflexos dessa tendência é a explosão de imóveis populares, com média de 60 metros quadrados, que estão sendo construídos no País inteiro”, diz Celso Loducca, presidente da Loducca Publicidade. “Fenômenos similares de venda acontecem com os carros e as motos.” O publicitário também relaciona o aparelho celular entre os itens fundamentais de consumo para a parcela da população retratada no estudo A Nova Classe Média, divulgado na semana passada pelo economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas. Com base na comparação de dados coletados a partir de abril de 2002 nas seis maiores regiões metropolitanas do País, o estudo mostra que, pela primeira vez na trajetória do Brasil, a classe média se tornou a maioria da população.

Na categoria classe média, a fundação engloba famílias com renda entre R$ 1.064 e R$ 4.591, um critério utilizado por boa parte dos institutos de pesquisa nacionais. “É abaixo do padrão americano ou europeu, mas no Brasil o custo de vida é também menor”, diz Loducca. “De qualquer maneira, o estudo da FGV revela o que observamos na prática, ou seja, as pessoas estão ganhando mais dinheiro, a distribuição de renda começou a melhorar.” Além do aumento da classe média, o estudo demonstra, de fato, uma sensível redução da desigualdade. No caso da chamada classe E, aquela que tem renda total familiar inferior a R$ 768, houve um salto de 27% para 32% entre os que conseguiram ascender, sendo que 16% foram para a classe D, 15% para a classe média e 1% chegou à elite.

3 milhões é número de brasileirosque deve sair do estado de pobreza até o final do ano, segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Responsável pela pesquisa da FGV, o economista Marcelo Neri acredita que tanto o crescimento da classe média quanto a redução da pobreza são conseqüência direta do aumento do emprego com carteira assinada. Na sua opinião, o desafio agora é suprir a demanda por mão-de-obra qualificada para os postos de trabalho que estão sendo criados. A classe média começou a ganhar mais, está consumindo artigos como computadores, mas tem seu ponto fraco na educação. “Saímos da crise do desemprego da década de 1990 para o apagão da mão-de-obra. Os empresários estão investindo em emprego formal, com carteira assinada. Mas faltam pessoas qualificadas. É preciso investir na qualidade e na quantidade, na questão da educação”, diz Neri. De qualquer maneira, o economista considera a mobilidade social registrada no decorrer dos últimos seis anos um fator de grande impacto. “A queda na desigualdade que estamos presenciando agora é espetacular, com uma intensidade comparável à do crescimento da concentração de renda na década de 1960”, compara.

Cynthia Horowicz, vice-presidente de planejamento da agência DM9DDB, já detectou mudanças fundamentais em relação à educação durante as pesquisas qualitativas que vem realizando com grupos de mulheres. “Há agora uma preocupação muito maior em relação à educação na classe C, principalmente se compararmos as gerações”, comenta. “Uma mãe de 35 anos, por exemplo, está empenhada em proporcionar ao filho condições de estudo melhores do que as que ela própria teve.” No mercado de consumo, o aumento da classe média está provocando, segundo Cynthia, uma revolução silenciosa. Com base no aumento da renda, na estabilidade da moeda e na maior facilidade para obter crédito, está ocorrendo entre as mulheres uma ampliação dos gastos de forma geral, com busca por produtos de maior valor, como computadores e viagens. Outra tendência observada por Cynthia envolve a mudança de referências estéticas: “Essa mulher que chegou à classe C está antenada com tudo o que integra o cotidiano das classes A e B, do cosmético de grife internacional às ofertas da construção civil.”

Tudo indica que alterações de comportamento vão se espalhar por outras faixas sociais nos próximos meses. Divulgado simultaneamente à da FGV, outro estudo indica que três milhões de brasileiros das seis principais regiões metropolitanas do País terão saído da pobreza em dezembro de 2008, em comparação com 2002. A estimativa consta de trabalho realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, que prevê queda da taxa de pobreza de 32,9% para 24,1% em seis capitais: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. O Ipea considerou como pobres as pessoas que têm renda per capita igual ou inferior a meio salário mínimo (R$ 207,50). Ricos, para o Ipea, são aqueles com renda igual ou superior a 40 salários mínimos (R$ 16,6 mil). “O Brasil está deixando de ser um país de pobreza absoluta para ser um país de pobreza relativa, diminuindo a distância entre o topo e a base da pirâmide”, disse Márcio Pochmann, presidente do Ipea. Ironicamente, sob o governo Lula, em vez da classe operária, é a classe média quem vai ao paraíso.

A ESCALADA DA CLASSE MÉDIA

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A pesquisa foi realizada nas seis maiores regiões metropolitanas do País: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre