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Os largos sorrisos que os chineses oferecem aos visitantes estrangeiros desde a chegada a Pequim transmitem cordialidade e respeito. Bastam alguns dias na capital da China, no entanto, para constatar que esses atributos não constam do manual dos dirigentes do país. A chamada modernidade chinesa que o governo pretende difundir ao mundo através dos Jogos Olímpicos é capaz de reunir milhares de pessoas na Praça da Paz Celestial, misturando o vermelho da bandeira da China com o vermelho da logomarca da Coca-Cola, mas nela não há lugar para valores como liberdade de expressão, direitos humanos e livre acesso à informação. Na quarta-feira 6, quatro estudantes americanos e um inglês foram presos depois de hastearem um estandarte pedindo a independência do Tibete em frente ao Estádio Nacional, conhecido como Ninho de Pássaro. "Na China temos leis e esperamos que os estrangeiros as respeitem", disse à ISTOÉ o porta- voz da comissão organizadora dos Jogos Olímpicos, Sun Weide.

Dias antes, na segunda-feira 4, dois jornalistas japoneses foram presos e espancados por duas horas depois de insistirem em cumprir o dever de buscar informações sobre um atentado que resultou na morte de 16 policiais em Xinjiang, distrito a quatro mil quilômetros da capital. O governo chinês primeiro tentou atribuir a violência a grupos paramilitares, mas por fim pediu desculpas formais ao Japão. Sobre os ativistas favoráveis ao Tibete, os chineses foram mais lacônicos e se limitaram a comunicar o aumento do número de policiais e militares nas ruas. "Engana- se quem imagina que poderá transformar 2008 em um ano de triste memória para a China", afirma Weide.

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As autoridades chinesas não revelam o número de policiais, mas nas ruas de Pequim eles são quase tão comuns quanto as bicicletas. E, como os ciclistas, nunca circulam sozinhos. Estão empenhados em controlar o trabalho da imprensa internacional e vigiam de perto quem se atreve a conversar com os jornalistas. Em um diálogo informal, um dos 74 mil voluntários da Olimpíada revelou que policiais vestidos à paisana têm a missão de ouvir o que os chineses dizem aos estrangeiros. Se a conversa fluir para assuntos políticos ou religiosos, a ordem é parála. Talvez por isso poucos passem de um tímido sorriso quando abordados. Na quarta-feira 6, minutos depois de a tocha olímpica passar pela Praça da Paz Celestial, ISTOÉ flagrou um inusitado ensaio cênico. Na ampla passagem subterrânea que leva à Cidade Proibida, cerca de 50 militares ocupavam uma espécie de palco na companhia de chineses comuns. Todos empunhavam pequenas bandeiras vermelhas e atendiam ao comandante responsável por determinar o momento de bradar um grito de guerra e agitar as bandeiras. Era uma espécie de treinamento de torcida que unia militares e civis sob um mesmo slogan, cena que possivelmente será veiculada como propaganda nos próximos dias. Impedidos de fotografar, os repórteres de ISTOÉ foram acompanhados por militares até que deixassem a região. No dia seguinte, na mesma praça, três ativistas americanos foram proibidos de realizar um ato por liberdade religiosa na China.

 

Esta prática totalitária não chega a surpreender em um país que nos últimos meses lançou mão de vários expedientes truculentos para viabilizar a organização dos Jogos. Mandar quatro milhões de migrantes de volta à terra natal, paralisar todas as obras em curso na cidade e reduzir pela metade a circulação de veículos foram algumas das medidas de exceção postas em prática. Oficialmente, parte delas foi adotada sob o argumento de reduzir a poluição. Não deu certo. Na última semana, Pequim estava tomada por uma névoa cinzenta. Como antes do período olímpico, o ar da cidade deixa um gosto amargo na boca e faz os olhos lacrimejarem.