Pesquisas confirmam a observação de Lamounier. Segundo um estudo divulgado na semana passada pela GfK, quarto maior grupo de pesquisa de mercado do mundo, o brasileiro está otimista quanto à situação econômica nos próximos cinco anos. Mais de 50% dos mil consumidores entrevistados acreditam que o futuro será ainda melhor que o presente – que já consideram ótimo. Outro levantamento recente, realizado pelo Projeto Brasilidade, constatou que a autoestima nacional nunca esteve tão elevada. “Vamos iniciar a próxima década com muita esperança”, afirma o cientista político Rodrigo Mendes Ribeiro, coordenador do estudo. Segundo ele, o “complexo de vira-lata” (expressão criada pelo escritor Nelson Rodrigues e que definia a suposta sensação de inferioridade que o brasileiro sentia em relação ao resto do mundo) é algo definitivamente deixado para trás. Em vez de desanimados e pessimistas, os brasileiros hoje são altivos e confiantes no futuro.

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Sob qualquer ângulo que se analise o momento do País, é inevitável chegar a números superlativos. De acordo com prognósticos do governo e de analistas independentes, o PIB do Brasil vai crescer entre 6,5% e 7% em 2010. Se o dado se confirmar, a expansão econômica nacional só será menor que o crescimento observado na China. Trata-se de uma performance impressionante, principalmente diante dos prognósticos apocalípticos feitos pouco tempo atrás sobre os supostos terríveis efeitos da crise global no Brasil. Basta uma espiada nos balanços de diversos setores para que se descubra a ebulição em curso no País. Um estudo da consultoria MB Associados revelou que as vendas de Natal vão movimentar R$ 98 bilhões em 2010. É o valor mais alto da história, o que vai exigir um aumento de até 60% da compra de insumos e produtos no Exterior para sustentar o aumento espetacular da demanda. No varejo como um todo, as altas vão superar a casa dos dois dígitos – percentual só acompanhado por países como China e Índia. Em nenhum lugar do planeta o uso de cartões de crédito e débito cresce como no Brasil: mais de 20% ao ano, o que revela que as pessoas estão comprando como nunca. Os exemplos se repetem em vários segmentos (leia quadro) e colocam o País na linha de frente do novo tabuleiro de forças da economia mundial. O Brasil já é o quarto maior mercado de automóveis do planeta e, em 2011, será o terceiro no ranking global de vendas de computadores, para citar apenas alguns exemplos.

Esse salto notável se deve a pessoas como a cozinheira Sandra Maria Sabino Bertoldo, 54 anos. Quando viu, pela primeira vez, uma tevê de LCD de 32 polegadas na vitrine de uma loja, Sandra decidiu que faria de tudo para comprar o aparelho. Moradora do Morro dos Prazeres, favela no centro do Rio que no início do ano foi palco de deslizamentos provocados pelas chuvas de verão, ela economizou durante quase um ano para comprar à vista e por R$ 1,5 mil a cobiçada televisão. “Valeu a pena”, diz. Típica integrante da nova classe C (leia reportagem na página 48), Sandra se enquadra num perfil clássico. De acordo com o pesquisador Renato Meirelles, diretor do instituto Data Popular, especializado em estudar os hábitos das camadas populares, a autoestima tem uma importância vital para a baixa renda. Mais do que adquirir produtos, a pessoa precisa mostrar aos vizinhos, aos amigos e aos colegas de trabalho que possui um bem de causar inveja. É por isso que as classes emergentes gastam muito e estimulam a economia mais do que qualquer outro setor da sociedade.

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Em 2010, apontam os dados do Data Popular, os integrantes da classe D vão gastar R$ 381,2 bilhões, valor que representa mais do que o dinheiro disponível para o consumo na classe A (R$ 261,1 bilhões) e na classe B (R$ 329,5 bilhões.). É fácil explicar essa conta. Como são em maior número, os membros da classe D geram maior escala financeira. “O Brasil continua sendo um país com enorme desigualdade social, mas há um dado impressionante”, diz Giannetti. “De 2003 a 2008, a renda dos 10% mais pobres aumentou 8% ao ano, enquanto os ganhos dos ricos cresceram 1,5%.” Durante muito tempo, essa equação estava invertida na lógica capitalista brasileira. Agora, o abismo social, ainda grande, está enfim sendo combatido. O principal termômetro que revela o fôlego de uma economia é o emprego. De janeiro a julho, foi criado no País 1,6 milhão de novos postos com carteira assinada, recorde para o período desde que o Ministério do Trabalho começou a fazer a contagem, há 20 anos. Em uma década, o Brasil gerou 15 milhões de empregos, o equivalente a toda a população da Holanda. Associe-se a isso o aumento gigantesco do crédito, que em oito anos acrescentou mais de R$ 1 trilhão à economia brasileira, e o cenário que se constrói é de uma nação que caminha a passos chineses.

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É a fartura de crédito que faz com que brasileiros como o pequeno empresário paulista Luiz Marques dos Santos, dono de uma loja de material de construção, consiga ampliar seus negócios. “Há dez anos, eu pedia R$ 100 mil para o banco e conseguia no máximo R$ 20 mil.” Hoje em dia, diz ele, você pede R$ 100 mil e a instituição oferece R$ 200 mil. O crédito ajudou Santos a subir na vida e a migrar da classe média emergente para a B. Ascensão semelhante viveu a corretora de imóveis Graça Vieira, 34 anos. De salto alto, vestido social e bolsa de marca na mão, Graça fez o que até outro dia era impensável para ela. Entrou na concessionária, escolheu o carro, assinou o cheque à vista, finalizou a compra e, não fosse a burocracia do Detran, teria saído dirigindo. “Eu nunca pensei que poderia comprar um carro à vista”, afirma. O ano de 2009 foi para ela o melhor de toda a sua vida profissional. Em um único negócio, vendeu nove apartamentos de alto valor em Brasília e, quando recebeu sua gratificação, comprou o imóvel próprio. “Estou mais do que realizada”, afirma.

O Brasil já viveu outras fases de pujança que resultaram no aumento da sensação de bem-estar de seus habitantes. O desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek no final da década de 50 gerou imenso otimismo em relação ao futuro. Na década de 70, o milagre econômico proporcionou idêntica sensação. Nos dois casos, a euforia durou pouco. Desta vez será diferente? Impossível dizer com certeza, mas é inegável que o País vive um período inédito de solidez econômica. “Com acertos do câmbio e da carga tributária, o Brasil pode crescer entre 5% e 6% ao ano por um bom período”, diz Antônio Correa de Lacerda, professor da PUC-SP e ex-presidente do Conselho Federal de Economia. “Nos próximos seis anos, nossa indústria deve crescer o equivalente aos últimos 15”, afirma Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos. Ou seja, o País caminha para ingressar num círculo virtuoso. Segundo Franco, isso é reflexo também do amadurecimento das próprias empresas. O centenário capitalismo nacional, forjado pelo Estado, começou a ser substituído nos últimos anos por um modelo mais pujante, protagonizado pelo setor privado. Empresas melhores e sadias contratam mais, investem mais, geram maior riqueza.

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É o dinheiro, portanto, que traz felicidade para as pessoas? A questão é complexa e desperta acaloradas discussões. “A conquista de um determinado objetivo leva ao bem-estar, e não propriamente à felicidade”, diz o filósofo Roberto Romano, professor de filosofia da Unicamp. “O que se costuma chamar de felicidade envolve dois aspectos”, diz Ubirajara Calmon de Carvalho, professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília. De um lado, diz Carvalho, está o aspecto subjetivo. Para determinada pessoa, ser feliz é conquistar um amor. Para outra, é não ter preocupações. No caso do executivo Douglas Delamar, 39 anos, poucas coisas o tornam tão satisfeito quanto reunir um grupo de amigos para jogar uma partida de golfe. Em sua empresa, a Embrase, especializada em segurança patrimonial, negócios são fechados em meio a tacadas realizadas nos principais campos do Estado de São Paulo. “Muitas vezes, encerramos uma reunião às 10 horas da manhã, pegamos o helicóptero e vamos jogar golfe com nossos clientes. É algo absolutamente maravilhoso.” Ou seja, não existem regras para ser feliz – depende de cada um. O professor Carvalho acrescenta: “Já o aspecto objetivo da felicidade envolve a conquista de determinado bem.” É aí que entram os milhões de brasileiros que melhoraram de vida nos últimos anos. E que nunca foram tão felizes.


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