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Assista ao trailer de "Comer, Rezar, Amar", estrelado por Julia Roberts

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“O livro ‘Comer, Rezar, Amar’ é muito íntimo. Não imaginava
que milhões de pessoas o leriam”
Elizabeth Gilbert, escritora

Elizabeth Gilbert tinha uma vida perfeita. Pelo menos era o que os outros achavam. Bonita, casada, bem-sucedida profissionalmente e dona de um apartamento em Manhattan, a jornalista americana não teria motivos para reclamar do destino. Poucos sabiam, porém, que de madrugada ela se trancava no banheiro para chorar. Não queria mais estar casada. E se culpava por isso. Essa crise aconteceu há uma década. Hoje, aos 41 anos, Elizabeth está em paz consigo mesma. Separou-se, viajou muito – para a Itália, Índia e Indonésia – e encontrou, de novo, o amor. Com um brasileiro. Está casada com o comerciante de pedras preciosas José Nunes, a quem conheceu em Bali, e fez da sua biografia recente um “case” de sucesso.

A história desse relacionamento foi contada no best seller mundial “Comer, Rezar, Amar”, que já vendeu mais de 7,5 milhões de exemplares e virou filme estrelado por Julia Roberts, lançado com estardalhaço nos EUA na semana passada. O sucesso a transformou numa autoridade no tema matrimônio. A escritora que só falava de homens, tanto em revistas como a “QG” quanto em seus três primeiros livros, virou uma expoente da chamada “chick lit” (a literatura de “mulherzinha”) – rótulo de que não gosta. Sua relação com Nunes dura seis anos e o casal vive na cidade americana de Nova Jersey, onde tem uma loja de móveis e objetos asiáticos. No início do relacionamento, Elizabeth continuou morando nos EUA e Nunes (que nos livros é chamado de Felipe e no cinema ganhou a estampa de Javier Bardem), em Bali. Era um romance cansativo e caro demais. Decidiram, então, morar juntos na América sem papel passado, mas de três em três meses, por causa das restrições no visto, ele saía e voltava para renovar a permissão. Em um desses retornos foi barrado pela imigração. Só poderia pisar em solo americano casado com uma cidadã dos EUA – foi quando trocou alianças com Elizabeth.

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VIDA BELA
No cinema, o ator Javier Bardem vive o brasileiro José Nunes,
marido de Elizabeth, interpretada por Julia Roberts

Como ela adora aventuras, passou dez meses viajando com o marido pela Ásia enquanto regularizavam a situação. Nesse período, começou a esboçar o que viria a ser o seu segundo livro, o recém-lançado “Comprometida – Uma História de Amor” (Objetiva). O primeiro rascunho foi parar no lixo porque não se reconheceu no texto. Fez, então, aquilo em que já virou expert: recomeçou, reinventou. Hoje, com a conta bancária nas alturas, saboreia o novo sucesso e se vê nas telas na figura de um ícone de Hollywood. Agora, sim, ela pode até se perguntar: o que mais posso querer da vida?

Leia abaixo trecho do primeiro capítulo de "Comprometida – Uma História de Amor", de Elizabeth Gilbert

Casamento e surpresas

O casamento é uma amizade reconhecida pela polícia.
Robert Louis Stevenson

Em 2006, num fim de tarde de verão, eu me encontrava numa pequena aldeia do norte do Vietnã, sentada junto ao fogo fuliginoso de uma cozinha com várias mulheres locais, cujo idioma não sei falar, tentando lhes fazer perguntas sobre casamento.
Já havia vários meses eu viajava pelo sudeste da Ásia com um homem que logo se tornaria meu marido. Suponho que o nome convencional de um indivíduo desses seja “noivo”, mas nenhum de nós gostava muito dessa palavra e, por isso, não a usávamos. Na verdade, nenhum de nós gostava muito dessa ideia de matrimônio como um todo. O casamento nunca tinha passado pelos nossos planos em comum nem era coisa que quiséssemos. Mas a providência interferiu nos nossos planos, e por isso agora perambulávamos ao acaso no Vietnã, na Tailândia, no Laos, no Camboja e na Indonésia, tomando providências urgentes e até desesperadas para voltar aos Estados Unidos e nos casar.
Nessa época, o homem em questão era meu amante, meu namorado, havia mais de dois anos, e nestas páginas vou chamá-lo de Felipe. Felipe é um cavalheiro brasileiro gentil e afetuoso, 17 anos mais velho do que eu, que conheci em outra viagem (uma viagem planejada de verdade) que fiz pelo mundo, alguns anos antes, na tentativa de remendar um coração gravemente partido. Perto do fim da viagem, encontrei Felipe, que havia anos morava sozinho e tranquilo em Bali, cuidando do seu coração partido. O que veio em seguida foi atração, depois uma lenta corte e, finalmente, para nosso espanto mútuo, amor.
A nossa resistência ao casamento na época nada tinha a ver com ausência de amor. Ao contrário, Felipe e eu nos amávamos sem reservas. Fazer todo tipo de promessa de ficarmos juntos e sermos fiéis para sempre nos satisfazia. Já tínhamos até jurado fidelidade vitalícia um ao outro, embora em particular.
O problema é que éramos sobreviventes de divórcios difíceis, e a experiência nos deixou tão feridos que bastava a ideia de um casamento formal — com qualquer pessoa, mesmo com pessoas tão legais como nós dois — para provocar uma sensação pesada de pavor.
Em geral, é claro que a maioria dos divórcios é bem difícil (Rebecca West observou que “quase sempre, divorciar-se é uma ocupação tão alegre e útil quanto quebrar louças muito valiosas”), e os nossos não foram exceção. Na poderosa Escala Cósmica de Ruindade do Divórcio, que vai de um a dez (na qual um é igual a uma separação amigável e dez é… digamos, uma verdadeira pena capital), provavelmente eu daria ao meu a nota 7,5. Não houve suicídios nem homicídios, mas fora isso o rompimento foi um processo dos mais feios possíveis entre duas pessoas bem-educadas. E se arrastou durante mais de dois anos.
Quanto a Felipe, seu primeiro casamento (com uma profissional liberal australiana inteligente) terminara quase uma década antes de nos conhecermos em Bali. Na época, o divórcio se desenrolara bastante bem, mas perder a mulher (e, junto com ela, o acesso à casa, aos filhos e a quase duas décadas de história) deixara a esse homem bom uma herança de tristeza duradoura, com ênfase especial no arrependimento, no isolamento e na ansiedade econômica.
Assim, a nossa experiência nos deixara exauridos, perturbados e com firme desconfiança diante das alegrias do sagrado matrimônio. Como todos os que já passaram pelo vale das sombras do divórcio, Felipe e eu tínhamos aprendido em primeira mão a seguinte verdade desagradável: toda intimidade traz consigo, escondidos sob a superfície adorável do início, os mecanismos sempre engatilhados da catástrofe total. Já tínhamos aprendido que o casamento é um terreno no qual é muito mais fácil entrar do que sair. Sem as restrições da lei, o amante não casado pode sair do mau relacionamento a qualquer momento.
Mas o casado legalmente que quiser escapar do amor infeliz logo descobre que uma parcela significativa do contrato de casamento pertence ao Estado e que, às vezes, demora muito para o Estado lhe dar permissão de partir. Portanto, é bem possível ficar preso durante meses e até anos numa união legal sem amor que mais se parece com um prédio em chamas. Um prédio em chamas onde você, amigo, está algemado a um aquecedor em algum ponto do porão, incapaz de se soltar, enquanto a fumaça sobe em nuvens e as vigas vêm caindo…
Desculpe; será que tudo isso soa pouco entusiástico?
Só exponho esses pensamentos desagradáveis para explicar por que Felipe e eu fizemos um pacto bastante incomum desde o início da nossa história de amor. Juramos, de todo o coração, nunca, jamais, em nenhuma circunstância, nos casar. Chegamos até a prometer nunca misturar as nossas finanças nem o nosso patrimônio terreno, para evitar o possível pesadelo de, mais uma vez, ter de desenterrar a reserva de munição pessoal e explosiva de hipotecas, escrituras, propriedades, contas bancárias, eletrodomésticos e livros favoritos em comum.
Depois de feitas essas devidas promessas, avançamos com uma verdadeira sensação de calma nesse companheirismo cuidadosamente dividido. Afinal, assim como o compromisso do noivado dá a tantos outros casais uma sensação envolvente de proteção, o nosso voto de nunca nos casar nos cobriu com a segurança emocional necessária para experimentarmos o amor mais uma vez. E esse nosso pacto, conscientemente privado de compromisso oficial, parecia milagroso com sua libertação. Foi como se tivéssemos encontrado o Caminho Marítimo para as Índias da Intimidade Perfeita, algo que, como escreveu Gabriel García
Márquez, “lembrava o amor, mas sem os problemas do amor”.
E foi isso que passamos a fazer até a primavera de 2006: cuidar da nossa vida, construir juntos, com irrestrito contentamento, uma vida delicadamente dividida. E poderíamos continuar a viver assim, felizes para sempre, se não fosse uma interferência muitíssimo inconveniente.
O Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos se envolveu.