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LUGAR DE DEBATE
Farias: “Política não é espaço, é prática”

Com o sugestivo título “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”, verso emprestado de obra do poeta Jorge de Lima, a 29ª Bienal de São Paulo prepara-se para içar velas. Quando inaugurar em 25 de setembro, apresentando cerca de 200 obras de 148 artistas, quer não apenas espraiar seus efeitos nos visitantes da exposição, mas deixar marcas na sociedade, atingindo 40 mil professores de escolas públicas paulistas.
“A Bienal não é apenas sobre arte e política. Ela é um espaço político”, diz Agnaldo Farias, no leme do projeto, ao lado de Moacir dos Anjos.

Há um norte magnético para definir o conceito de “arte e política”?
Nossa ideia é criar um conceito-arquipélago, sem bordas nítidas.
Queremos escapar de uma noção literal do binômio “arte e política”, associada a uma tradição realista, e recuperar uma outra compreensão, de uma arte mais experimental, que ataca no âmbito da linguagem, levando a novas formas de sociabilidade e de compreensão do objeto artístico. Passamos por cima da tradição figurativa e dela só recuperamos o Goeldi, pelo inesperado que ele é. Porque ele faz um Brasil lúgubre, sombrio, faz uma desmontagem de uma certa noção de Brasil.

Associa-se à obra “Invenção de Orfeu”, de Jorge de Lima, a noção de hipertexto, polifonia. A diversidade é uma bandeira política da exposição?
Política é fundamentalmente isto. Contra o discurso monotônico, é o afloramento das mais diferentes vozes. É a tentativa de acordo, não de consenso. Isto está patente na própria estrutura da Bienal, que é toda multifacetada. A expografia cria toda uma tortuosidade, cheia de pontos de vista, angulações, com uma surpresa a cada passo. Cria praças, cubículos, vielas, passagens e o convívio de múltiplas expressões. De pintura a instalação sonora. Há também os “terreiros”, que vão funcionar como respiros, espaços de repouso, paragens. Está evidente no espaço essa busca da diversidade, da polifonia da poesia. A Bienal tem a poesia como primado, sua guia, motriz.

Na Bienal anterior, “praças públicas” foram criadas para promover um encontro entre arte e público que, afinal, não aconteceu. Qual a diferença entre o terreiro e a praça pública?
A diferença é a demarcação. A praça remete ao ágora da pólis grega. A ideia de terreiro é eminentemente luso-brasileira, tem um dado do religioso, do profano, da dança. O terreiro é um espaço de resistência, tanto quanto o drible no futebol. A própria alegria é uma resistência.
O terreiro está em toda parte. Você o ilumina e o ocupa. A política não é um espaço, é uma prática. Estamos aqui propiciando espaços, mas, se eles não são usados, nada acontece.

A criação de espaços de convívio é parte do projeto de aproximar a Bienal da sociedade?
Há um desejo da Bienal de se aproximar da sociedade, mas, mesmo que ela atinja a meta de um milhão de visitantes, isso é muito pouco perto do que pode e deve fazer. Por isso, o nervo da Bienal é seu projeto educativo. Falar em exposição política sem discutir educação é conversa fiada. Montamos com a Stela Barbieri um caderno educativo com cartelas de 30 artistas contemporâneos e conceitos que estão na ordem do dia, apresentados por textos simples sem serem simplistas. São jogos a serem trabalhados nas salas de aula, que viram “terreiros” de debate.

A Bienal sempre foi uma janela para a arte internacional, mas agora divulga a intenção de olhar a arte contemporânea desde a ótica brasileira. Como equacionar essas intenções?
A Bienal pode ser simultaneamente espetacular e inteligente, atingindo diferentes públicos. A Bienal não é apenas sobre arte e política, ela é um espaço político, que privilegia encontros e deixa surgir as diferentes expressões. Ela é feita no Brasil, deve encarar que este é um país de grandes diferenças sociais e deve contribuir para a diminuição dessas diferenças. Isso significa ser eminentemente educativa. Agora, é preciso trazer a água para o nosso moinho. E pensar que nesse mundo não há centro. A história sobredetermina a geografia. Nos interessa pensar nossos contextos particulares e estreitar nossas relações com os colegas da América do Sul, que têm paralelismos que só agora começam a ser mapeados pelas histórias da arte. Não vamos ficar esperando o aval europeu e americano para valorizarmos as nossas discussões.