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TERÇA-FEIRA 3
Na tribuna do Senado, Collor ofende repórter de IstoÉ

Às vésperas de deixar a Presidência da República pela porta dos fundos depois de um rumoroso processo de impeachment, o ex-presidente Fernando Collor de Mello exibiu para todo o País uma camiseta com a seguinte mensagem: “O tempo é o senhor da razão.” De lá para cá se passaram 18 anos, os cabelos do ex-presidente ficaram grisalhos, mas a razão parece não ter chegado ao hoje senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL). Na terça-feira 3, ele ocupou a tribuna do Senado para dizer que obtivera autorização do TRE alagoano para disputar o governo do Estado e, sem a menor preocupação com o decoro parlamentar, passou a ofender o repórter Hugo Marques, de ISTOÉ, que há duas semanas revelara os questionamentos feitos contra a candidatura do senador em razão de problemas com a Justiça. “Trata-se de um verdadeiro ficha suja da imprensa brasileira”, afirmou Collor, referindo-se ao repórter com a mesma agressividade que mostrava na época do Collorgate. “Ele não se vende à verdade; ele se aluga. Ele carece de total credibilidade e recorrentemente mancha a honra do bom jornalismo.” O senador ainda usou outros adjetivos ofensivos, como apedeuta, sicofanta (mentiroso, velhaco) e cáften da mentira, ao se referir ao jornalista. Um discurso que, além de fazer da tribuna do Senado um ringue privado, é covarde, pois usa a imunidade assegurada ao parlamentar para exercer a livre opinião para uma agressão pessoal. “O Senado antigamente era um lugar muito respeitável, onde as palavras eram medidas. O comportamento do ex-presidente é condenável”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), Roberto Muy­laert. De acordo com ele, “Collor demonstrou que não mudou nada em relação ao comportamento que exibia antes do impeachment”.

O destempero de Collor no plenário do Senado não surpreendeu. Na quinta-feira 29, o senador já havia telefonado para a redação de ISTOÉ em Brasília e ameaçado o jornalista. “Quando eu lhe encontrar vai ser para enfiar a mão na sua cara, seu filho da p…”, disse Collor a Hugo Marques. “Essas são atitudes condenáveis, ainda mais em se tratando de um cidadão que já exerceu os mais altos postos da República”, afirma Júlio César Mesquita, responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão e vice-presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ). “É inadmissível que qualquer candidato a cargo público manifeste tamanho desconhecimento do papel da imprensa nas sociedades democráticas.” Em nota oficial, a ANJ avalia que o comportamento do ex-presidente atenta contra o espírito democrático, o decoro e o respeito às instituições e às liberdades. A entidade “insiste junto às autoridades competentes para que assegurem a plena vigência dos princípios constitucionais de liberdade de expressão e promovam a imediata apuração dos eventuais abusos”.

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A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também condenaram a atitude do senador. “Trata-se de uma expressão do coronelismo político. O senador se comporta dessa forma absurda porque tem a certeza da impunidade”, avalia Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Fenaj. “Nada justifica um homem público tentar intimidar e desqualificar o trabalho da imprensa, sem o qual a liberdade de expressão perde o sentido”, disse o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante. Segundo ele, a imprensa desempenha uma função social atuando como consciência crítica da sociedade.

Como defende a ANJ e as demais entidades da sociedade civil, é imperativo que as autoridades competentes, inclusive o próprio Senado, se comprometam a colocar um basta em reações destemperadas como as verificadas na última semana, principalmente em um ano eleitoral. “Discursos como o feito por Collor apenas incitam a violência”, adverte o advogado Adriano Argolo, coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Um país efetivamente democrático só se constrói com plena liberdade de expressão. A reação do senador Collor a uma reportagem que não lhe era conveniente se assemelha às reações do presidente Collor em 1992, quando estudantes de todo o País pintaram o rosto e ocuparam as ruas pedindo o fim prematuro de seu governo. Em Alagoas, no dia 11, os estudantes voltarão a pintar os rostos em um protesto contra a volta da virulência na política. Como se observa, o tempo é de fato o senhor da razão; pena que não para todos.