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SALDO
Seis milhões de judeus mortos, seis mil nazistas condenados

Depois de 68 anos de investigação, quatro interrogatórios e da revisão de milhares de documentos, o alemão Samuel Kunz, 88 anos, foi finalmente indiciado pela morte de 432 mil judeus no campo de concentração de Belzec, na Polônia, no dia 28 de julho. Kunz atuou como guarda entre janeiro de 1942 e julho de 1943, quando tinha 20 anos de idade. “Sabíamos que os judeus eram exterminados e depois cremados – sentíamos o cheiro disso todos os dias”, admitiu em junho, durante depoimento dado ao Escritório Central de Investigação de Crimes do Nazismo na região da Bavária, Alemanha. Para especialistas em Segunda Guerra, Kunz pode ser o último nazista a sentar no banco dos réus, pois são poucos os homens de Hitler ainda vivos. Mas as chances pífias de encontrar e levar à Justiça os que restam, todos com mais de 85 anos, não desanimam quem se dedica a procurá-los onde quer que estejam. “Há uma crença de que é tarde demais para levar os assassinos nazistas à Justiça”, disse à ISTOÉ o historiador judeu americano Efraim Zuroff, 62 anos, o principal caçador de nazistas do Centro Simon Wiesenthal (CSW), criado para dar continuidade ao trabalho de Simon Wiesenthal, o mais implacável perseguidor hitlerista de todos os tempos. “Mas nossos números nos mostram quanto esse trabalho ainda dá resultados”, afirmou ele.

Segundo o CSW, entre 2001 e 2010, 77 nazistas foram condenados por crimes de guerra, o último em março passado, outros 51 foram indiciados e mais de uma centena de investigações foram abertas. “O trabalho de gente como o senhor Zuroff é fundamental porque alerta para os horrores do Holocausto”, afirma Lia Bergmann, assessora de direitos humanos do braço brasileiro da B’nai B’rith, uma entidade beneficente judaica mundial. “Ele também é importante porque coloca em pauta, mesmo que indiretamente, a incômoda questão da presença cada vez maior de grupos neonazistas no Brasil”, diz Lia.

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NA ATIVA
Soldados do campo de Belzec, onde o alemão Kunz, que será julgado, atuou como guarda

Zuroff esteve no Brasil em junho para, além de ministrar uma palestra, buscar pistas de Aribert Heim, 96 anos, o primeiro na lista de 2010 dos nazistas mais procurados do CSW (leia quadro), que assassinou dezenas de judeus com injeções letais no campo de Mauthausen, na Áustria. Heim teria passado pelo País para visitar uma filha ilegítima que vive no Chile. “O Brasil e a América Latina foram atraentes para fugitivos nazistas porque a entrada nesses países era tranquila e, uma vez instalados, eles contavam com o apoio de simpatizantes alemães para escondê-los”, explica Maria Luiza Tucci Carneiro, historiadora e professora do departamento de história da Universidade de São Paulo (USP). Muitos fugitivos também aproveitaram a simpatia de ditadores como Juan Domingo Perón, na Argentina, para entrar como exilados políticos. No Brasil a maioria entrou afirmando exercer a profissão de técnico industrial. O mais famoso foi o médico Josef Mengele, conhecido como “Anjo da Morte”, responsável pelo extermínio de crianças e adultos em experiências cruéis. Embora morasse no Paraguai, Mengele morreu em 1979 na cidade de Bertioga, litoral norte de São Paulo, e foi enterrado em Embu das Artes como Wolfgang Gerhard. O corpo, exumado em 1985, foi identificado com a ajuda da Alemanha, de Israel e de investigadores como o próprio Simon Wiesenthal, que viveu até 2005.

Achar esses criminosos é apenas o primeiro passo e talvez uma das etapas mais simples do processo de condenação de um nazista. Se ele estiver fora de seu país de origem, a extradição pode ser extremamente complexa, principalmente se ele tiver a nacionalidade do país em que se esconde. No Brasil, para extraditar um nazista é preciso que sejam atendidas várias condições. “Sem pacto de reciprocidade diplomática, por exemplo, o País não extradita ninguém”, explica George Niaradi, presidente da Comissão de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Quando o acusado é naturalizado brasileiro, outras condicionantes são colocadas. Zuroff vê esses empecilhos como falta de vontade política para processar os poucos que restam. “Temos, no máximo, mais cinco anos para fazer esse trabalho, depois todos já terão morrido por causas naturais”, alerta. É pouco tempo, mas fazer justiça, ainda que tardia, é fundamental.

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