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“Nunca fingi orgasmo. Seria uma sacanagem comigo mesma.
Divertir-se é muito mais importante”

Juliana Dacoregio, 29 anos

O coração acelera, a respiração se aprofunda, uma onda de calor invade o corpo, os músculos vibram e uma descarga repentina de energia faz a pessoa parecer subir alguns andares. O orgasmo feminino, de totalmente ignorado até meio século atrás, se tornou uma obsessão nos dias de hoje. São dezenas de livros, manuais, publicações dirigidas, documentários, cirurgias íntimas e medicamentos em fase de testes que representam uma resposta do mercado à ansiedade das mulheres pela performance perfeita. O problema é que ninguém sabe o que é a tal performance perfeita – nem especialistas em sexualidade, nem sequer psicólogos, muito menos ginecologistas. Até porque a sensação de prazer é pessoal e intransferível. E variável. Afinal, não é porque os sinos permaneceram mudos e as borboletas não revoaram que a relação foi ruim. Pelo contrário. Mas o fato é que o clímax sexual virou o Santo Graal da mulher contemporânea. Se há 50 anos o movimento feminista lutava pelo direito de a mulher se satisfazer na cama, hoje em dia muitas delas querem não precisar se preocupar tanto com isso. “Tanta obrigação tira toda a diversão do caminho. É importante brincar, seduzir, se divertir com o sexo”, diz a psicóloga Tatiana Presser. Para ela, quem prioriza o orgasmo está perdendo uma parte importante da relação sexual.

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O pior é que a en­xurrada de fórmulas e manuais não está se traduzindo em mais prazer. Pelo contrário, contribui para elevar a ansiedade do casal, que pode acabar transformando os momentos de intimidade numa exibição de performance sexual. Levantamento recente do Hospital Estadual Pérola Byington, de São Paulo, detectou que uma em cinco pacientes não consegue satisfação plena em suas relações. Em outro estudo, publicado neste mês no jornal da Associação Britânica de Cirurgiões Urológicos pela Clínica Urológica de Nova Jersey (Estados Unidos), não atingir o orgasmo é a queixa número 1 entre as mulheres de 18 a 30 anos, aparecendo entre as três principais inquietações sexuais em todas as faixas etárias. Sensível à ânsia feminina por respostas, o mercado literário tira do forno publicações em série sobre o tema. Só neste ano, foram lançados pelo menos dez títulos nos Estados Unidos, como “O Pequeno Livro do Grande Orgasmo” e “À Procura do Orgasmo Perfeito”. Em outro deles, “Thanks for Coming” (“Obrigado por gozar”), a autora Mara Altman conta suas aventuras para conseguir chegar ao orgasmo. Está fazendo tanto sucesso que vai virar até um programa do canal HBO americano. O Brasil tem dois novos nas prateleiras: “Orgasmos. Como Chegar Lá” (editora BestSeller), da sexóloga americana Jenny Hare, e “O Guia do Bom Orgasmo” (editora Marco Zero), de Kate Taylor.

A escritora Juliana Dacoregio, 29 anos, de Criciúma (SC), não acha que o prazer feminino deva ser ignorado, mas considera um exagero a glorificação atual do orgasmo. Prefere, em vez disso, investir na autoestima e no amor próprio. “É difícil uma mulher admitir que não tem orgasmo sempre, porque todos bombardeiam que ela tem que ter um a cada transa”, afirma. Atualmente solteira, a moça afirma nunca ter fingido o clímax. “Seria uma sacanagem comigo mesma.” Os especialistas dizem que grande parte da frustração feminina, que acha que não está tendo o prazer “adequado”, vem da visão idealizada do orgasmo. “Uma moça que fez cursos comigo teve e não reconheceu, porque não correspondia ao que ela havia lido numa revista”, diz a personal sex trainner Fátima Mourah. A massoterapeuta Alda Vasconcelos, 24 anos, faz coro contra a “orgasmocracia”. Casada há seis anos, faz sexo três vezes por semana e estava satisfeita, mas procurou cursos de pole dance e strip-tease para incrementar a relação e quebrar a rotina. “Você às vezes tem uma noite maravilhosa, mas não tem orgasmo. Para mim não faz falta, principalmente quando você tem um parceiro bom de cama”, diz a massoterapeuta, que costuma chegar ao ápice uma vez por semana.

A dona de casa M.C., 46 anos, casada há 26 e mãe de três filhos, tem um retrospecto bem diferente. Ela nunca chegou ao orgasmo com o marido. Insatisfeita no início do casamento, recebeu dicas de uma colega de trabalho e aprendeu a se masturbar. Mas fingia sentir prazer com o parceiro para agradá-lo. “Nem sabia que mulher também tinha isso”, afirma. Ao procurar um psicólogo há três anos, ela passou a se impor mais, não aceitando ter relação sem vontade, por exemplo, e falando sobre o assunto, mas o orgasmo a dois ainda não veio. Ela nunca teve relações com outro homem, mas sonha com a possibilidade de conquistar independência financeira e poder se divorciar. Para a dona de casa, as manchetes sobre orgasmo nas revistas só contribuem para deixá-la mais triste e ainda servem de argumento para homens como seu marido. “Ele me mostra e diz que é normal eu não ter orgasmo. Mas eu não quero mais ficar dentro dessa estatística.”

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“Orgasmo não faz falta quando seu parceiro é bom de cama e a noite é maravilhosa”
Alda Vasconcelos, 24 anos

Na contramão das expectativas de M.C. e de sua busca legítima por prazer, cada vez mais mulheres impõem a si mesmas uma pressão tamanha por desempenho que chegam a apelar até para intervenções cirúrgicas sem eficácia comprovada, como injeções de colágeno no suposto ponto G. O procedimento é semelhante à colocação de botox e visa ampliar a área para deixá-la mais fácil de identificar. Outro recurso são as cirurgias íntimas para modificar o tamanho dos lábios ou estreitar o canal vaginal, procedimento delicado e que, malfeito, pode afetar a rede de nervos da região.

Nos consultórios, os psicólogos e ginecologistas tentam consertar essas e outras ideias equivocadas, como a de que a falta de orgasmo é uma doença. Apenas 13% dos casos de dificuldade em se atingir o clímax estão relacionados a causas orgânicas, como uma disfunção hormonal. A cineasta americana Liz Canner denunciou em seu documentário “A Indústria do Orgasmo”, lançado no ano passado, que classificar as insatisfações femininas como doença não passa de interesse da indústria farmacêutica. “O problema do orgasmo não é uma disfunção, isso decorre na grande maioria das vezes de condições socioculturais, como stress por sobrecarga de trabalho.” A documentarista afirma também que, se por um lado a sociedade está obcecada em falar sobre o clímax feminino, por outro se recusa a ensinar o básico sobre educação sexual.

Para o psicólogo especializado em relacionamento amoroso Thiago de Almeida, o orgasmo só vem com a prática. “É uma equação de tentativa e erro”, diz. Ele ensina as mulheres a descobrir sozinhas suas zonas erógenas, para depois mostrar para os parceiros como gostam de ser tocadas. É o que explica a psicóloga chilena Tatiana Presse, considerada uma “sexpert”. “Chegar lá é como ir para a academia para ficar em forma. É preciso investir tempo e esforço. No começo, pode parecer meio mecânico, mas depois fica natural e se torna essencial”, afirma. Mas cabe à mulher, e somente a ela, decidir se vale a pena.


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