O filósofo Roberto Mangabeira Unger, ministro da recém-criada Secretaria de Planejamento de Longo Prazo (Sealopra), é professor licenciado de Harvard e passou 36 anos nos Estados Unidos. Ele ficou tão marcado pela cultura de Tio Sam que até hoje fala com aquele inconfundível sotaque de gringo abrasileirado. O suposto fascínio de Mangabeira pela sociedade americana já lhe trouxe dissabores antes mesmo da posse: o coronel Oswaldo Oliva Neto, chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE), transferido para a Sealopra, renunciou ao cargo por temer que o filósofo implante no órgão padrões americanos de planejamento, contrariando o modelo europeu de gestão adotado até agora. Para evitar atritos – Oliva, aliás, é irmão do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) –, o coronel foi deslocado para a Casa Civil.

No entanto, o professor de Harvard é muito mais brasileiro do que supõe nossa vã filosofia. E pelo pior lado, o das mazelas. Ao aceitar ocupar um ministério de um governo que no passado ele classificou como “o mais corrupto da História”, a ponto de pedir o impeachment do presidente Lula, Mangabeira se revelou pertencer àquela linhagem de intelectuais tupiniquins “de esquerda” que costumam não resistir ao canto das sereias do poder. No passado, havia a justificativa de que a cooptação da intelligentsia progressista pelo Estado era inevitável num país desprovido de uma forte sociedade civil. Mangabeira, entretanto, é de outra estirpe. De eterno Golbery à procura de um Geisel – passou por Ulysses Guimarães, Brizola e Ciro Gomes –, o filósofo chegou a cogitar a própria candidatura à Presidência. Acabou no PRB, espécie de ersatz da Igreja Universal de Edir Macedo. Ah, e nas horas vagas, o professor foi consultor e trustee da Brasil Telecom. Com ele, o “esqueçam o que escrevi” foi definitivamente substituído pelo “esqueçam o que eu fiz”.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias