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Minutos antes da prova dos 200 m pelos Jogos Olímpicos de Pequim, noite da quarta-feira 20 na China (manhã da quinta- feira no Brasil), os 90 mil espectadores do estádio Ninho de Pássaro entoaram o Parabéns a você. Alvo da homenagem, o velocista jamaicano Usain Bolt, que completaria 22 anos no dia seguinte, retribuiu acenando para a platéia. A verdadeira festa começaria no momento da largada. Foi o aniversariante Bolt quem presenteou o público do estádio e os bilhões de telespectadores espalhados pelo mundo com uma performance inesquecível. Em atuação perfeita, ele marcou o tempo de 19s30, quebrando o recorde de Michael Johnson, intacto desde 1996. Antes de cruzar a linha de chegada, com suas sapatilhas douradas, o jamaicano já batia no peito, e ao fim da prova dançou envolto na bandeira da Jamaica, repetindo várias vezes: "Sou o número 1!" Não era mera bravata, mas a expressão fiel da verdade. Dois dias antes, Bolt tinha quebrado também o recorde dos 100 m e na véspera de seu aniversário tornou-se o primeiro atleta recordista nas duas categorias em uma mesma Olimpíada. "Foi o desempenho mais impressionante que assisti na vida", elogiou Johnson.

Na Jamaica, o entusiasmo quanto ao feito de Bolt foi tanto que a ministra dos Esportes, Olívia Grange, chegou a compará- lo ao astro do reggae Bob Marley. É compreensível. Para um país pobre, de apenas 2,6 milhões de habitantes, é incomensurável o orgulho de ter como filho um fenômeno da corrida cujo nome será lembrado no futuro como uma grande estrela de Pequim, atrás apenas do nadador Michael Phelps. O recordista duplo é o personagem mais brilhante de uma cepa de campeões que a Jamaica derramou nas pistas. Além dele, Melaine Walker, nos 400 m com barreiras, Shelly-Ann Fraser, nos 100 m, e Veronica Campbell-Brown, nos 200 m, foram outros representantes do atletismo jamaicano a conquistar medalhas de ouro. O mesmo esporte rendeu ao país três pratas e um bronze. Até sextafeira 22, todas as medalhas da Jamaica tinham vindo do atletismo, o bastante para garantir-lhe o 12º lugar no quadro geral de classificação dos Jogos de Pequim, à frente do Canadá, da França e da outrora poderosa Cuba.

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Há décadas os velocistas jamaicanos se destacam em pistas internacionais, mas desta vez se superaram. As provas de velocidade são a grande paixão esportiva do país, enquanto outras categorias do atletismo só recentemente passaram a ser praticadas por lá. "Depois do mundial realizado em 2002, competições como salto com vara e lançamento de peso entraram nos planos deles", diz o chefe da delegação de atletismo brasileiro em Pequim, Martinho Nobre. Em quase todas as escolas do país há pistas de velocidade e o esporte recebe subvenção governamental. Os profissionais não dispõem de equipamentos de ponta, mas as poucas pistas em boas condições são suficientes para a pequena população. As competições são um celeiro onde os dirigentes pescam competidores de qualidade.

Mesmo para um país apaixonado pelos corredores, no entanto, o estilo de Bolt é inacreditável. Não se poupa no início, larga em ritmo fortíssimo, praticamente não diminui nas curvas e, uma vez à frente dos concorrentes, consegue ampliar a vantagem no final. "Ele já é uma lenda, uma aberração da natureza", define o americano Darvis Patton, que correu com ele nos 100 m. O jamaicano Asafa Powell, que por muito tempo foi o homem mais rápido do mundo, também se rende. "Ninguém pode superá-lo", diz. Em matéria de elogios, no entanto, o próprio Bolt dá conta do recado: "Sou o melhor de todos os tempos", gosta de repetir.

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Frases como essa levaram o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge, a criticá-lo por falta de espírito olímpico. Mas as fanfarronices do atleta soam mais como simpática irreverência. Bolt é o tipo do gozador, boa-praça, que mantém sempre o sorriso aberto e mesmo nos segundos que antecedem as competições surpreende com brincadeiras e gestos engraçados. Tanta segurança é conseqüência de uma compleição física privilegiada. O atleta tem 1m96 de altura e pesa 86 kg. Seu perfil longilíneo é bem diferente dos atarracados campeões de décadas atrás. O sucesso nas pistas acabou por inspirar o apelido Lightning Bolt (raio, em português), que o atleta incorporou ao nome. Essa superioridade chegou a provocar denúncias infundadas vindas de adversários impotentes, como o alemão que, sem provas, acusou Bolt de correr dopado. Num dos poucos momentos em que apagou o largo sorriso, o atleta rebateu a acusação e explicou o segredo dos jamaicanos. "O que fazemos na Jamaica para conseguir esses resultados é trabalhar, trabalhar e trabalhar."

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