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ECLÉTICO
Leandro Camargo é fã de “Star Wars” e, desde criança, gosta de videogames e computadores.
Mas isso não o impede de ter muitos amigos, namorar e tomar cerveja

No filme “A Vingança dos Nerds”, um clássico dos anos 80, um grupo de jovens com óculos de aro grosso, aparelho nos dentes, roupas de alfaiataria e cabelo milimetricamente arrumado se une contra os fortões da escola, cuja principal diversão é constrangê-los em público. Depois de muito sofrer, sendo vítimas, inclusive, das colegas de classe, os garotos riem por último e humilham os rivais. Na vida real, apesar de o enredo ser outro, os nerds também têm levado a melhor. De deslocados, esquisitos e antissociais, eles se tornaram populares. Segundo estudiosos, o fenômeno começou a tomar forma no início dos anos 2000, com a popularização da internet e a invasão de outras tecnologias digitais. “Cada vez mais a sociedade está tecnológica. E os nerds, que sempre tiveram facilidade com o assunto, se destacam dos demais”, diz o sociólogo e doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) Sérgio Amadeu da Silveira. “Com isso, eles conquistaram os colegas, que passaram a respeitá-los e admirá-los.”

Prova disso é a fama de PC Siqueira, nerd que fala, se veste e age como tal, e cujos vídeos são sucesso absoluto no YouTube. A febre também invadiu a tevê, com séries americanas, transmitidas no Brasil, como “The Big Bang Theory”, “Greek” e “Glee”, e com o reality show também americano “As Gostosas e os Geeks”. Na literatura de autoajuda, títulos como “Faça como Steve Jobs” – numa alusão ao todo-poderoso da Apple, um ícone nerd – sinalizam a mudança de paradigmas e apontam o modelo de sucesso a ser seguido. Até mesmo o estilo de se vestir da turma, visto com desprezo há vinte anos, se tornou tendência. Caso dos óculos de aro grosso, das camisetas coloridas com frases espirituosas, das peças de alfaiataria e das meias três-quartos presentes nas passarelas. Ou seja, ironicamente, o estilo nerd vem sendo copiado até por quem não pertence à tribo.

Tamanha admiração contribuiu para a mudança de perfil desse grupo. “O nerd de hoje ganhou status entre os colegas e se sente mais à vontade para ser o que é”, diz o psicólogo do Núcleo de Pesquisa da Psicologia da Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Marcio Berber Amadeu. “Ele é mais autoconfiante e menos introvertido na hora de falar e se vestir.” Além disso, a internet facilita no processo de desinibição. “Os sites, blogs e redes sociais permitem ao nerd, geralmente mais caladão, se expressar e fazer amizades”, diz Amadeu.

Leandro Ferreira, 24 anos, viveu o fenômeno na pele. De criança sem amigos, ele descobriu o que significa ser popular apenas na faculdade. Na escola, era o único a entender de computação. Isolado, se divertia pregando peças na aula de informática. “Eu mandava mensagens do meu computador para o dos professores”, diz. Hoje, cursa desenho industrial e trabalha como programador de site. E, como todo nerd contemporâneo, coleciona amigos virtuais e não virtuais, os quais faz questão de encontrar em eventos como o NoB (Nerds on Beer), que reúne membros e simpatizantes em bares.

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Esses jovens também viraram o jogo no campo dos relacionamentos amorosos. Há uma série de comunidades virtuais formadas por garotas apaixonadas, como a Marias Nerds. Ferreira é prova de que eles também amam. E são correspondidos. Casou-se em setembro do ano passado, numa cerimônia em que máquinas de fliperama faziam a alegria dos convidados. Mas, na sua opinião, o interesse feminino por esse grupo não tem a ver apenas com suas habilidades no mundo eletrônico. Também está relacionado a uma mudança de perfil. “O nerd de hoje é uma versão light do de antigamente”, diz. “Ele se veste melhor e cuida da aparência, é muito mais interessante do que aquele gordinho de espinha e roupas manchadas.” Mas a garota que se interessar por um deles deve saber agir. Afinal, eles mudaram, mas nem tanto. A grande maioria continua tímida e se apaixona fácil. Leandro Camargo, 24 anos, por exemplo, aprecia garotas que tomam a iniciativa. “Eu costumo ficar na minha. Mas, se as meninas sonham com um mundo menos machista, estão convidadas a chegar naquele rapaz quieto pelo qual se interessaram”, afirma.

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SOCIÁVEL
Casado com Márcia Oliveira (à dir.), Leandro Ferreira (à frente) gosta
de jogar Guittar Hero com o amigo João Ciocca (ao fundo)

Vida de nerd popular, no entanto, não é fácil. Ricardo Macedo, 24 anos, recebe ligações diárias, de amigos e desconhecidos indicados por amigos, para esclarecer dúvidas relacionadas à tecnologia. “Sou praticamente o suporte técnico da galera”, diz ele, que programou sua primeira animação aos 8 anos. Ricardo faz cursinho para ciências da computação, mas, graças a seus conhecimentos, há dois anos garantiu a sua vaga no mercado de trabalho. Se no campo profissional o grupo já fincou bandeira, na escola ele vem demarcando território. Educador há 20 anos, Cláudio Giardino, um dos coordenadores do ensino médio do Colégio Pentágono em São Paulo, nota uma diferença clara entre o nerd atual e o de outrora. “Eles não se misturavam com os colegas e hoje são lideranças na sala.” A vingança dos nerds tarda, mas não falha.