Criador da ONG S.O.S. Mata Atlântica critica a política ambiental dos presidenciáveis e disputa o governo de São Paulo

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Confira entrevista que Fábio Feldman concedeu ao editor-executivo Hélio Gomes nos estúdios da IstoÉ

 

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CULPA DO RODÍZIO
Feldman diz que rejeição pública o afastou da política

Em 1995, quando era secretário do Meio Ambiente do governo Mário Covas, Fábio Feldman escreveu um dos capítulos mais controversos da história recente da cidade de São Paulo. Ao propor o rodízio de automóveis em horários de pico, o advogado, administrador de empresas e criador da ONG S.O.S. Mata Atlântica ganhou a antipatia de milhares de motoristas e acabou selando seu próprio destino político. Ex-deputado constituinte, amargou derrotas nas disputas por uma nova vaga na Câmara Federal em 1998 e 2002. “Perdi porque criei o rodízio”, diz.

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"Temos de radicalizar no controle da poluição, sobretudo em relação
ao esgoto doméstico que acaba nos rios, como o Pinheiros"

Longe da política desde então, Feldman volta à cena como candidato do PV ao governo de São Paulo. Um dos maiores especialistas em meio ambiente do País e participante assíduo de eventos como a conferência sobre mudanças climáticas de Copenhague (COP-15), ele afirma que sua maior missão na disputa eleitoral será ampliar a discussão sobre o tema também no Estado de São Paulo.

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"O pré-sal é século XX. Enquanto o mundo tenta estabilizar
o aquecimento, o Brasil vira um grande produtor de petróleo"

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ISTOÉ

O que o traz de volta à disputa política?

Fábio Feldman

Estamos vivendo um momento muito interessante em razão da discussão sobre o aquecimento global. E agora temos a candidatura da Marina Silva à Presidência da República. Minha volta se deve a isso. Estou no PV desde 2005 e sou político desde 1986, quando fui eleito deputado na Assembleia Nacional Constituinte (pelo PMDB). Além disso, tivemos dois turnos de uma eleição presidencial com um personagem interessante na Colômbia, o (Antanas) Mockus.

ISTOÉ

Por que o sr. deixou a política de lado?

Fábio Feldman

Porque já havia me realizado muito. A Constituinte marcou o final do período autoritário e o início da democratização. Tive a oportunidade de praticamente escrever o trecho de meio ambiente do texto constitucional. Fui legislador durante muitos anos, algo raro e que conta pouco do ponto de vista eleitoral no Brasil. Perdi a eleição em 1998 (para deputado federal, pelo PSDB) porque criei o rodízio de carros em São Paulo quando fui secretário do Meio Ambiente do governo Covas. Voltei a concorrer em 2002, mas cheguei à conclusão de que minha vida tinha de trilhar outros caminhos. Entrei para a política por causa dos temas com os quais eu trabalho como advogado. Dessa forma, segui na área ambiental mesmo de fora. A política está além dos partidos e das eleições.

ISTOÉ

A política é o melhor caminho para defender a causa ambiental?

Fábio Feldman


Minha missão é trazer o tema definitivamente para a agenda política, inclusive a eleitoral. É uma ótima oportunidade de travar um diálogo com a sociedade. Ainda que eu tenha apenas um minuto e 15 segundos na televisão, serão 19 programas. Teremos chance de fortalecer o PV e conseguir que a candidatura da Marina tenha penetração no maior colégio eleitoral do Brasil.

ISTOÉ

Como foi perder uma eleição em razão do rodízio de automóveis, uma medida ironicamente aprovada pela população hoje em dia?

Fábio Feldman

A hostilidade era muito grande. Senti isso como político e até mesmo na minha vida familiar. Hoje, o rodízio se legitimou como uma medida restritiva, pela qual pagamos o preço no lugar de um Estado que, por sua vez, deveria garantir um bom transporte público. Na verdade, a sociedade e a mídia mudaram de percepção em relação ao rodízio.

ISTOÉ

Mudaram de percepção por razões ambientais ou por conta dos problemas de trânsito?

Fábio Feldman

A principal motivação do rodízio foi de saúde pública. Após um dia de inversão térmica, o número de óbitos em São Paulo aumenta de forma significativa. Isso acontece muito durante o inverno, quando há dificuldade na dispersão de poluentes. Naquela ocasião, não havia condições de tomar outra medida emergencial. Desde 1995, por exemplo, tentamos realizar a inspeção veicular que hoje vigora na cidade de São Paulo. A questão ambiental é transversal e o rodízio é uma medida que engloba várias áreas.

ISTOÉ

Por que ninguém resolve o problema da poluição dos rios que cruzam São Paulo?

Fábio Feldman


Já temos o projeto do Tietê, que começou em 1992 com financiamento externo. Mas é preciso radicalizar no controle da poluição, sobretudo em relação ao esgoto doméstico que acaba nos rios. Estamos estudando a proposta de criar uma lei de responsabilidade ambiental em São Paulo. Os municípios com melhor desempenho teriam mais acesso a recursos de um fundo de participação. Em vez de punir, estimularíamos boas condutas. Temos de reconhecer as dificuldades que enfrentamos. O Estado de São Paulo tem algo em torno de 2.200 policiais ambientais, o maior contingente do País. Se dividirmos o número por 600 municípios e considerarmos turnos de trabalho de oito horas, teremos menos de um policial ambiental em cada cidade. Mesmo com a ajuda da tecnologia, falta vontade política na fiscalização ambiental.

ISTOÉ

A questão ambiental ganha uma eleição?

Fábio Feldman

Somos uma alternativa importante. Queremos provocar um debate mais profundo em uma eleição difícil, na qual os candidatos mais bem colocados representam máquinas poderosas – o governo de São Paulo, com mais de 300 prefeituras, e o governo federal. Mas há muita água a rolar debaixo da ponte e podemos surpreender e quebrar o “plebiscito PT versus PSDB”, como diz a Marina. Vamos qualificar o debate sem menosprezar nossos adversários, mesmo porque tenho uma boa relação com todos eles.

ISTOÉ

Deixar claro que o PV não é monotemático é um desafio?

Fábio Feldman

Sim, e ele é complexo. Demonstrar que estou falando de economia quando cito a mudança no clima é muito difícil. A visão que a sociedade tem em relação a nós (do PV) é a de que não temos a capacidade de discutir outros temas, o que é um equívoco.

ISTOÉ

O seu partido discute outros temas?

Fábio Feldman

A diferença entre nós e nossos adversários é que temos uma visão do século XXI, enquanto eles ainda estão no passado. O conflito ideológico não é mais de esquerda contra direita, mas, sim, entre diferentes visões de mundo.

ISTOÉ

Como o sr. avalia a política ambiental do governo Lula?

Fábio Feldman

O (Carlos) Minc foi um bom ministro do Meio Ambiente. Mesmo com todas as dificuldades internas, inclusive no governo, o Brasil teve o papel de protagonista na COP-15 porque assumimos metas de redução na emissão de gases que provocam o efeito estufa. O crédito por ter liderado esse processo é do Minc. Já a Dilma (Rousseff, que chefiou a delegação brasileira na conferência de Copenhague) tem uma trajetória hostil em relação à questão ambiental.

ISTOÉ

Qual é a sua análise sobre a exploração da camada do pré-sal?

Fábio Feldman

O Brasil não está debatendo a questão como deveria. O pré-sal é século XX. Tenho mais dúvidas do que certezas sobre ele, mesmo antes do acidente no Golfo do México. O vazamento expôs a fragilidade do licenciamento ambiental e da avaliação de risco, além de revelar a inexistência de tecnologias capazes de enfrentar situações do tipo. O acidente no Golfo do México é o Chernobyl dos oceanos. Deveríamos debater o que aconteceu com a economia, a pesca e o turismo.

ISTOÉ

Sua ideia seria interromper o programa de alguma forma?

Fábio Feldman

Deveríamos repensá-lo radicalmente. Suponha que o Brasil vire um grande produtor de petróleo. Com quem vamos nos alinhar nas discussões internacionais? Com os países árabes? Enquanto o mundo tenta estabilizar o aumento na temperatura em 2ºC nos próximos 50 anos, o Brasil se transforma em um grande produtor e consumidor de petróleo. Tenho dúvidas.

ISTOÉ

Qual a sua avaliação sobre o novo Código Florestal?

Fábio Feldman

Perdemos uma ótima oportunidade de inovar a legislação brasileira. O projeto tem equívocos gravíssimos, como a anistia das multas aplicadas a quem já desmatou. Com exceção da Mata Atlântica, que tem regras próprias, todos os outros biomas estarão desprotegidos. Estou falando de Amazônia, Pantanal, Caatinga e Pampa. Deveríamos ter discutido o Código Florestal a partir das oportunidades que o Brasil pode ter com o uso adequado de seus ativos ambientais. Temos um país megabiodiverso.

ISTOÉ

O sr. ficou surpreso com o resultado da relatoria de Aldo Rebelo, do PCdoB?

Fábio Feldman

Imaginei que o Aldo Rebelo poderia caminhar pelo rumo do meio – nem ambientalista nem ruralista. No final das contas, ele fez um relatório radical e tendencioso, que nenhum deputado da bancada ruralista teria coragem de assinar. Fiquei surpreso por conhecer a história de Rebelo. Em um trecho do relatório, ele levanta dúvidas sobre a existência do aquecimento global. Isso é inacreditável! Como podemos negar a existência do problema ao mesmo tempo que nos colocamos como um dos donos da solução, graças à produção de etanol? O Código Florestal é equivocado e primário, e ainda não favoreceu o debate.

ISTOÉ

O que o sr. pensa a respeito da atuação de Arnold Schwarzenegger à frente do governo da Califórnia?

Fábio Feldman

Ele teve um papel muito importante nos últimos anos. São Paulo está para o Brasil assim como a Califórnia está para os Estados Unidos. Já temos um padrão de emissão de CO2 diferenciado do resto do País, assim como acontece com o Estado americano. Segundo a Constituição do Brasil, podemos legislar de forma independente em áreas como cultura, patrimônio histórico e meio ambiente. Defendo ostensivamente que São Paulo coloque isso em prática.

ISTOÉ

O cargo de ministro do Meio Ambiente o seduz?

Fábio Feldman

Quase fui ministro do Fernando Henrique (Cardoso). Essa é uma questão para o futuro. Tendo a acreditar que, de acordo com uma nova visão das questões ambientais, as principais estratégias sobre o tema e o processo decisório estarão fora do Ministério do Meio Ambiente. Em um governo da Marina, questões como a economia de baixa intensidade de carbono, a economia criativa e a economia de biodiversidade deveriam ser tratadas em esferas que vão além da Pasta do meio ambiente.


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