Uma das maiores "relíquias" de nossas águas doces – o lendário boto cor-de-rosa (Inia geofrensis), símbolo do folclore amazonense – vive uma situação de extermínio. O alerta foi dado na semana passada por cientistas brasileiros. Eles denunciaram que estão matando boto no Brasil para picá-lo e usar a sua carne como isca em pescaria. Entrevistada por ISTOÉ, a bióloga do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Vera da Silva, disse que alguns frigoríficos "faturam milhões de reais usando a carne do boto para fisgar outro peixe, o piracatinga", e exportá-lo para a Colômbia ou vendê-lo aqui mesmo no Nordeste do País. "Já falamos com o Ibama, mas nenhuma atitude foi tomada", diz ela. Ignorada pelas autoridades locais, a bióloga precisou fazer sua denúncia no Exterior e agora tem a esperança de ser ouvida.

Os cientistas esperam que, daqui para a frente, o Ibama comece a navegar na correnteza da preservação do boto cor-de-rosa

É na reserva de Mamirauá, a cerca de 530 quilômetros de Manaus, que se encontra uma das maiores concentrações de botos cor-derosa. Também é lá o local onde vem sendo registrada uma queda de 10% ao ano na população desse cetáceo. Indignados, os pesquisadores denunciam a ISTOÉ que "já existem pessoas especializadas nesse tipo de caça nas regiões de Tefé, Fonte Boa e Jutaí". Os botos são abatidos com arpões e golpes na cabeça e sua carne é colocada em gaiolas submersas para atrair os piracatingas. "A pesca acontece à noite. Cada pescador fatura R$ 2 mil por dia", diz Vera. Os peixes são embarcados no porto de Tabatinga e seguem para Letícia, na Colômbia. Para entender a aritmética dessa carnificina é preciso saber que um boto médio vale 200 quilos do piracatinga. E o quilo desse peixe chega a valer R$ 1,50. O rentável negócio já registra frigoríficos com 80 mil quilos de peixe ao ano – o que corresponde à morte de 800 botos pelo mesmo período. Embora a sua população ainda seja respeitável, desde 2000 ela vem sofrendo quedas. Segundo os cálculos dos biólogos, existe uma redução de 10% ao ano na população desses cetáceos. Não é uma espécie em abundância e a reprodução é lenta. Na média, um boto tem um filhote a cada três anos. Basta fazer as contas para entender que a extinção é uma triste realidade se nada for realizado imediatamente.

Além de ser utilizado como isca, o boto nada em outras águas difíceis. Pesquisadores do Inpa preocupam- se com a construção de uma nova hidrelétrica no rio Madeira, que banha Rondônia e Amazonas, podendo isolar os grupos de cetáceos. A bacia do rio Madeira tem mais tipos distintos de peixes do que qualquer outro rio do mundo, com quase 500 espécies já catalogadas. A pesca do bagre (rio Madeira) e de outras espécies é uma das principais fontes de renda para aproximadamente três mil moradores ribeirinhos que seriam desabrigados. Mais ainda: recentemente se descobriu nova espécie de boto acima da cachoeira do Madeira e, assim, a construção de hidrelétricas é nova dor de cabeça para os ambientalistas, porque também essas novas espécies estão com os dias contados. O drama dos botos cor-derosa foi revelado pelo jornal inglês The Guardian, e quem sabe, agora, o Ibama comece a tratar com mais seriedade as denúncias feitas pelos pesquisadores do Brasil. Ao dar guarida às acusações da bióloga Vera da Silva, a imprensa internacional faz-nos entender porque o Brasil é tão criticado no Exterior no que diz respeito ao meio ambiente.