ARTE: FERNANDO BRUM

Já se falou bastante sobre a atração do brasileiro pela malandragem e pelos atalhos éticos como forma de subir na vida. Mas há tempos a sociedade não era retratada de forma tão impiedosa como na novela Paraíso tropical. Na trama de Gilberto Braga os trambiqueiros são muitos e estão roubando – literalmente – a cena dos mocinhos. É o que acontece todas as noites no folhetim, em especial quando entram em cena os gigantes escalados para seduzir o público com maldades, como Wagner Moura, na pele de Olavo, um executivo armador e criminoso, e Tony Ramos, como Antenor, o milionário inescrupuloso. De quebra, o papel de musa foi assumido por uma prostituta, a Bebel, personagem de Camila Pitanga – uma vilã, claro. "Quando entra o Daniel (Fábio Assunção) com a Paula (a gêmea boa, interpretada por Alessandra Negrini), eu aproveito para ir à cozinha. São chatos e bonzinhos demais", diz a bibliotecária Solange Alves, resumindo a cumplicidade do público com o "lado negro da força".

Gilberto Braga sempre escalou titãs como vilões, mas desta vez parece ter apostado todas as fichas no mal, criando uma vasta galeria de personagens do gênero. O próprio autor, preocupado, disse já ter levado o assunto ao analista. Saiu do divã mais feliz porque, segundo o analista, "o homem bom é que consegue viver seu lado mau na fantasia". E põe maldade nisso. O front dos incorretos tem, ainda, o cafetão Jader (Chico Diaz), o ladrão Humberto (Sérgio Marone) e o vagabundo Ivan (Bruno Gagliasso). Outro ponto alto é Vera Holtz como Marion, promoter, estelionatária e mãe de Olavo e Ivan. Sem falar da arrivista Taís, a gêmea má. Como a malvada Raquel de Mulheres de areia, que sempre excitou mais o público do que sua irmã gêmea Ruth (Eva Wilma na primeira versão e Glória Pires na segunda), o que leva o público a se empolgar mais com Taís, que tentará matar Paula, a irmã boa? Deformação moral do telespectador ou capricho pecaminoso dos autores? Responde Gilberto Braga: "Estamos numa crise de ética e muitos não são vistos como vilões. Já ouvi dizer que Marion está certa, precisa botar comida em casa; Taís está certa, luta para subir na vida. Acho que os valores éticos terminaram. Mas não totalmente, claro."

Pesquisas para monitorar a audiência já comprovaram a opção preferencial do público pela turma de caráter ruim. Para Gilberto Braga, "o mal é muito atraente e os vilões da novela são muito charmosos". Ricardo Linhares, coautor, acrescenta que "são personagens com contradições e complexidades muito fortes". Já na primeira semana eles identificaram uma tendência do público a simpatizar com Bebel e a perdoar seu banditismo porque, segundo Linhares, "é vista como lutadora". Olavo acabou sendo humanizado pela relação de amor com Bebel. "Me pedem muito na rua um final feliz para os dois. O romantismo ficou acima da honestidade em tempos de moral flexível", resume Linhares.

A antropóloga Esther Hamburger, autora do livro O Brasil antenado – a sociedade da novela, acha que o fato de "antimocinhos" fazerem mais sucesso do que o par bonzinho Daniel e Paula é explicável na dramaturgia. "De uma maneira geral, os vilões são mais densos e atraentes. Já os mocinhos têm o comportamento previsível, estão na história apenas para sofrer e serem beijados." Diante disso, Esther não acha que a reação do público tenha uma dimensão sociológica maior: "Não há nenhuma perversão nisso." Como Gilberto Braga após o sinal verde do analista, o público respira aliviado.
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