No Exército, o nome de guerra dele é De Araújo. Mas, na noite de Brasília, o sargento Laci Marinho de Araújo se transforma. Veste uma camisa brilhante vermelha e vira o cantor Éron Anderson. Tem até DVD promocional. O título é sugestivo: "Eu queria ser Cássia Eller". Éron, a versão artista do sargento, comanda a banda de pop rock Terceira Visão, que faz cover da roqueira morta em 2002. Seria mais um caso de militares que buscam trabalho fora do quartel para reforçar o salário, não fosse um detalhe. A vida dupla – ou tripla – tem trazido problemas ao sargento no Exército. Laci (ou De Araújo, ou Éron, como queira) afirma que vem sofrendo discriminação. O portavoz da denúncia é outro militar, o também sargento Fernando Figueiredo, que além de amigo é empresário do cantor. Os dois estão na linha de tiro do Exército. A história, no fundo, é mais um caso de um dilema da vida moderna que as Forças Armadas estão tendo de enfrentar cada vez mais: a sua histórica intolerância ao homossexualismo.

Trata-se de algo que não chega a ser nenhuma novidade nos quartéis. Alexandre, o Grande, tido como o maior general de todos os tempos, é conhecido também pelo gosto que nutria por seus soldados. Nas Forças Armadas brasileiras, o assunto sempre foi tabu. No regulamento disciplinar não existe proibição explícita. Tacitamente, o que há é uma recomendação para que militares gays sejam discretos. Mas contornar mentalidades e preconceitos dos homens da caserna parece ser algo ainda distante. De Araújo reclama que, no seu caso, a discriminação acontece unicamente porque ele incorpora, no palco, um ícone homossexual. A perseguição, diz, começou em conversas informais dentro do quartel. Superiores chegaram a apelidálo de "Sargento Cássia Eller". O problema foi se ampliando e, hoje, há uma sindicância disciplinar em curso e ele pode acabar expulso do Exército.

O sargento conta que, em 2003, começou a ter problemas de saúde. Dores de cabeça e vertigens o incapacitavam para algumas atividades militares. Mesmo assim, relata, era destacado por seus superiores para tarefas que não conseguia cumprir. Em setembro do ano passado, o sargento foi repreendido por não cumprir uma ordem do tenente que o comandava. Logo depois, chegou a ser preso. A doença não foi identificada, mas a neurologista Regina Caldeira, do Hospital das Forças Armadas, apontou para a possibilidade de esclerose múltipla. Em vez de a situação caminhar para uma eventual aposentadoria por invalidez, o que houve foi a instauração do processo disciplinar, por ordem do general Adhemar da Costa Machado Filho, comandante militar do Planalto.

O Exército nega que a sindicância tenha relação com a atividade extra-quartel de Laci. Em nota encaminhada a ISTOÉ, informou que o sargento está há seis meses sem aparecer no serviço por alegar problemas de saúde e que o procedimento, na verdade, tem por objetivo apurar as causas do afastamento. Diz ainda que o sargento De Araújo deixou de apresentar laudos médicos que comprovassem seu estado de saúde – e que até se recusou a receber, em casa, um médico especialista enviado pelo comando para averiguar sua doença. O sargentocantor, entretanto, diz que tudo não passa de perseguição. "É uma tortura psicológica", reclama. "Eu tenho um problema, não recebo o devido tratamento e sou perseguido por isso."

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