Duas autoridades brasileiras estavam em Paris, na última semana, visitando a feira aeronáutica de Le Bourget. Mas, na quarta-feira 20, os dois senhores, Waldir Pires, ministro da Defesa, e o brigadeiro Juniti Saito, comandante da Aeronáutica, receberam ordens para retornar imediatamente ao Brasil. Foram avisados de que, por aqui, nove meses depois do início da crise da aviação, a balbúrdia voltou a imperar em nossos aeroportos. Filas intermináveis nos balcões, famílias esparramadas no chão, vôos cancelados ou atrasados, passageiros exaltados, desculpas esfarrapadas e, mais uma vez, um grupo de sargentos controladores de vôo em motim. Naquela quarta-feira, 38% dos vôos em todo o País atrasaram; em São Paulo, foram 80%. E no dia seguinte, quando Pires e Saito desembarcaram em Brasília, o índice de atrasos no País subiu para 46%. A crise promete tempos de muito stress na temporada de férias. Afinal, como (e quando) o governo pretende arrumar uma solução? Até agora, as autoridades demonstram estar completamente perdidas. E pior, o caos aéreo parece não ter fim no exato momento em que o País quer voar. Todas as nossas empresas aéreas estão investindo na compra de novos aviões. Mas quem deveria criar as condições para estimular os novos vôos parece preferir fazer chacota com o contribuinte.

A responsabilidade é dos acontecimentos”, disse o ministro Waldir Pires. Da linda Paris, ele avisou que uma solução é só para daqui a um ano e meio. José Carlos Pereira, presidente da Infraero, vai no mesmo tom: “Estou em contato com esse problema há nove meses. Os passageiros não. Então, eles podem ter mais paciência do que eu”, diz. Guido Mantega, ministro da Fazenda, também entrou no debate de forma desastrosa: “Não há caos aéreo. É a prosperidade do País, mais gente viajando, mais aviões, mais rotas.” O líder dos controladores de vôo, o sargento da Aeronáutica Carlos Trifilio, veio a público dizer o que pensa: “Eu tenho controlador gago, tenho controlador surdo, os caras estão na rede operando em condições precárias.” Por suas palavras cruas ele foi preso. “O caos vai voltar”, avisou o sargento. Em matéria de criatividade analítica, eles só foram superados pela ministra do Turismo, a exsexóloga Marta Suplicy, na célebre frase em que havia recomendado aos passageiros relaxarem e gozarem.

“Relaxa e goza, porque você esquece os transtornos depois.
É igual a parto. Depois a gente esquece” Marta Suplicy,
ministra do Turismo

“Estou em contato com esse problema há nove meses.
Os passageiros não. Eles podem ter mais paciência do
que eu” Brigadeiro José Carlos Pereira, presidente
da Infraero

Na noite da quinta-feira 21, o ministro Pires e o brigadeiro Saito apresentaram um novo plano de emergência para o presidente Lula. Para Saito, o ponto central da crise é sindical. Agora, ele quer radicalizar: prender e expulsar da Força Aérea cerca de 40 sargentos indisciplinados. E quem ficaria no lugar deles?, quis saber Lula. Por enquanto, ninguém. A solução, por ora, seria reduzir em 5% a oferta de aviões, propôs o brigadeiro. “Em quatro meses, a situação se regulariza”, explicou Saito. Lula gostou. “Pode endurecer”, disse. “Não espere pelo fim dos inquéritos. São muito lentos”. Na sextafeira 22, Saito anunciou o afastamento de 15 controladores de Brasília e a convocação de militares da FAB para tentar devolver a normalidade ao sistema.

SUPLÍCIO Brasileiros tratados com descaso em todos os
aeroportos do País. Sinal da desordem e irresponsabilidade oficiais

Existe um fato: o Brasil quer voar e as autoridades não ajudam. O governo não investe em infra-estrutura para desatar os nós do crescimento e não consegue encontrar solução para a crise aérea. Hoje são 120 milhões de passageiros por ano no País querendo voar. Em 2010, serão 160 milhões. De três anos para cá, quebraram a Transbrasil e a Vasp. A Varig também entrou na UTI no momento em que explodiu o número de passageiros. Mas não falta avião. O índice de aproveitamento das aeronaves é de 70%. As companhias aéreas, prevendo a demanda futura, estão comprando novas aeronaves. Na semana passada, a BRA anunciou a compra de 20 jatos 195 da Embraer, cada um com 118 lugares. A TAM também comunicou a chegada de mais quatro Boeing 777 (368 lugares) no próximo ano e outros quatro em 2010. Gol, Trip, Total, Pantanal estão ampliando suas frotas. Até a Varig ressurge das cinzas. Para as companhias aéreas falta infra-estrutura nos aeroportos: pista, hangares e espaço para os passageiros. O governo precisava ter investido R$ 7 bilhões nos aeroportos e só aplicou R$ 3 bilhões.

“A responsabilidade é dos acontecimentos. A solução
virá quando tivermos controladores bem treinados”
Waldir Pires, ministro da Defesa

“Não há caos aéreo. É a prosperidade do País, um pouco
do preço do sucesso” Guido Mantega, ministro da Fazenda

A falta de dinheiro para realmente investir em grande parte estava sendo explicada na mesma quinta-feira 21, no Congresso. Na CPI do Apagão, a empresária Silvia Pfeiffer revelou como é que um grupo de autoridades públicas montou esquemas para subtrair dinheiro da Infraero. “Há contratos superfaturados em até 100%”, disse ela, confirmando as denúncias que já revelara em entrevista exclusiva a ISTOÉ. A sessão foi tensa, Silvia chegou a passar mal e foi socorrida pelos médicos do Senado, mas listou os nomes dos que teriam desviado recursos públicos e entregou uma série de documentos. Ali perto, na sede do Tribunal de Contas da União, um grupo de procuradores fechava o primeiro trabalho consistente sobre uma das razões do caos aéreo – a precariedade da infra-estrutura dos aeroportos. No documento, os procuradores, coordenados pelo procurador-chefe, Lucas da Rocha Furtado, compilaram 82 processos contra a Infraero.

A EMPRESÁRIA SILVIA PFEIFFER VAI À CPI Os esquemas
de desvios e irregularidades na Infraero, por ela
denunciados, podem estar na raiz do problema, mas
ningúem quer apurar

São listadas as dez obras com mais indícios de corrupção (leia quadro) e eles dissecam cada uma delas para tentar compreender como é o padrão geral de desvios. Dessas, o atual presidente da Infraero, José Carlos Pereira, é apontado como co-responsável por três. Já o deputado Carlos Wilson, antecessor de Pereira, aparece em sete casos. A diretora de engenharia, Eleuza Lores, que também na quinta-feira 21 prestou depoimento à CPI do Apagão na Câmara, é co-responsável por oito. “Em todos os processos de obra em andamento os critérios de pré-qualificação aplicados pela estatal eliminam de imediato a absoluta maioria dos concorrentes, com indícios claros de direcionamento da licitação e facilitação de conluio”, explica o documento. “Se o dinheiro é desviado da Infraero, não se investe no essencial”, lamenta o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), relator da CPI do Apagão.

O PRESIDENTE E ELEUZA, DIRETORA DA INFRAERO
Há três meses, Lula exigia “hora, dia e data” para a solução.
Não teve resposta e não fez nada