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Margaret Thatcher fez questão de checar o resultado da sessão de fotos que acabara de participar. “Essa sombra em meu pescoço… O que podemos fazer com relação a ela?”, perguntou ao fotógrafo Mario Testino, em uma suíte no luxuoso Claridge’s, em Londres. O ensaio fotográfico, no final de maio, deixou o consagrado fotógrafo encantado com a ex-primeira-ministra britânica. “Quando cheguei ao Reino Unido (1976), o país estava empobrecido, mas ela conseguiu realmente levantá-lo”, lembrou Testino, que é peruano. Afastada da vida pública desde 2002, quando sofreu uma série de derrames, Margaret Thatcher também fez suas confidências. Contou que às vezes comparecia à Câmara dos Lordes, mas ficava em silêncio. “Eu tive uma vida de discursos”, disse. “Não preciso mais disso.” Acostumado a fotografar celebridades – ele é o autor das últimas imagens autorizadas da princesa Diana –, Testino terminou a sessão pedindo um autógrafo pela primeira vez na vida. Sem nenhuma sombra, as imagens que ele registrou no Claridge’s apresentaram uma Margaret Thatcher em plena forma na edição de julho da Vogue britânica. Na semana passada, no entanto, veio à tona uma outra faceta da mulher que comandou o mais longo governo britânico do século XX. Sua filha, Carol Thatcher, anunciou em livro que a exprimeira- ministra está demente.

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Nos bastidores do poder, os rumores de que Margaret Thatcher vinha sofrendo lapsos de memória eram tratados com fleuma britânica. Aos 82 anos, dona de um título de baronesa, ela é um ícone no reino que ajudou a transformar entre 1979 e 1990. Adepta do exercício do poder com pulso firme, durante seu mandato enfrentou os sindicatos e promoveu a maior onda de privatizações da Grã-Bretanha. Em tempos de guerra fria, não hesitou em usar todo o seu poderio bélico para recuperar as Ilhas Malvinas – Falklands para os britânicos – quando elas foram invadidas por ordem do general Leopoldo Galtieri, chefe da ditadura militar que governava a Argentina. E, segundo Carol, foi uma referência às Malvinas que sinalizou o começo da demência de sua mãe. Durante um almoço, no verão de 2000, ao falar sobre a guerra na antiga Iugoslávia, Margaret Thatcher fez confusão entre a Bósnia e as Malvinas. “Quase caí da cadeira”, registrou Carol. “Ela tinha 75 anos, mas sempre pensei nela como alguém sem idade e com uma proteção de ferro, 100% à prova de danos.”

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Hoje, a mulher que liderou debates internacionais tem dificuldade em acompanhar uma simples conversa. “Nos piores dias, ela dificilmente consegue se lembrar do começo de uma frase no momento em que ela a termina”, escreveu a filha de Margaret Thatcher no livro A swim-on part in the goldfish bowl: a memoir, que está prestes a ser lançado no Reino Unido. Trechos divulgados pelo tablóide londrino Mail on Sunday mostram que sua mãe não assimilou a morte do marido, Denis, ocorrida em 2003, devido a um câncer no pâncreas. “Tenho de dar a má notícia repetidas vezes”, afirmou a filha. “Cada vez que ela se dá conta de que perdeu o marido, ela olha para mim de uma forma triste e diz ‘Oh’”. Em contrapartida, Margaret Thatcher tem períodos de absoluta lucidez. Foi o que aconteceu recentemente, ao falar sobre Mikhail Gorbatchóv, o líder soviético que acabou com a guerra fria. “Rápida como um relâmpago, ela retomou o estilo Dama de Ferro e ficou completamente engajada”, escreveu Carol. “É como se a demência tivesse aguçado seu poder para recordações de longo prazo.” Por isso, ela relata em detalhes episódios dos anos que ocupou a Downing Street 10, o endereço dos primeirosministros britânicos, durante os quais ganhou fama como Dama de Ferro

O apelido, na verdade, é anterior à sua chegada à Downing Street. Surgiu em 1975, quando ela assumiu a liderança do Partido Conservador e passou a combater qualquer movimento rumo à distensão das relações entre o Ocidente e a União Soviética. Em represália, os soviéticos a chamaram de Dama de Ferro nas páginas do extinto jornal Pravda. Ocorre, porém, que na imprensa britânica o epíteto acabou revertido a favor da líder conservadora. Em campanha, ela própria chegou a usá-lo: “É de uma Iron Lady (Dama de Ferro) que este país está precisando.”

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Até conquistar o posto que parece ter sido moldado para ela, a Dama de Ferro jamais hesitou em enfrentar dificuldades. Nascida Margaret Hilda Roberts em outubro de 1925, na cidade de Grantham, ela é a mais nova das duas filhas de um pequeno comerciante e uma ex-costureira. Seu pai, Alfred Roberts, sustentava a família com uma quitanda. Com o passar do tempo, prosperou, chegando a ter duas casas comerciais. Margaret foi mais longe. Decidida a fazer faculdade, compensou em determinação o pouco brilho intelectual. Freqüentou o Summerville College, em Oxford, graças a uma bolsa de estudos. Formou-se primeiro em química, depois em direito. Aos 24 anos, recém-saída da faculdade, tentou pela primeira vez uma cadeira na Câmara dos Comuns. Não teve sucesso nas urnas. Em compensação, durante a campanha conheceu o empresário Denis Thatcher, com quem se casou em 1951 e teve os gêmeos Mark e Carol.

Impulsionada pelo milionário Denis, Margaret Thatcher chegou em 1959 à Câmara dos Comuns e só parou de exercer o poder em 1990. Na geopolítica internacional, quem esteve mais próximo dela foi o presidente americano Ronald Reagan (1911-2004). Comovida, acompanhou o drama do amigo quando ele recebeu o diagnóstico de Alzheimer, doença que, com freqüência, está associada à demência. “Eu agora começo a jornada que vai me levar para o ocaso de minha vida”, escreveu Reagan em carta à nação. Margaret Thatcher, que chegou a publicar um livro sobre seus tempos em Downing Street, jamais falou sobre sua doença em público. Mark, o filho famoso por ter se envolvido em negócios escusos na África e ser o queridinho da mamãe, também não se manifestou. Carol, que ficou conhecida por vencer um reality show na tevê britânica em 2005, resolveu transformar o drama da Dama de Ferro em sucesso editorial.