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"Uma boa história precisa ter começo, meio e fim. Mas não necessariamente nessa ordem." A máxima do cineasta francês Jean-Luc Godard define a obra do escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984), mestre da literatura mundial e precursor do realismo fantástico – movimento que combina uma aguda crítica social com a subversão da escrita tradicional. Cortázar foi um dos responsáveis pela projeção internacional de autores latino-americanos na década de 60, a partir do lançamento da sua obra clássica O jogo da amarelinha (1963). Depois disso é que ganharam destaque escritores da importância de Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez, Guimarães Rosa e Clarice Lispector. No seu melhor estilo vanguardista, saem agora no Brasil duas obras desconhecidasde sua autoria – trata-se dos livros-almanaques que incluem ensaios, poemas, críticas, paródias e relatos íntimos narrados por Cortázar sob o impacto do movimento de maio de 1968 que ele vivenciou em Paris. Além do inédito O último round, volumes um e dois (Civilização Brasileira, 296 e 288 págs., R$ 30), foram reeditados também os dois volumes de A volta ao dia em oitenta mundos (185 págs., R$ 29), coletânea de textos variados sobre a poesia do poeta inglês John Keats, um show do lendário jazzista Thelonious Monk ao qual ele assistiu em Genebra, em 1966, e um ensaio sobre uma luta de boxe, no qual faz uma crítica às disputas forjadas para enriquecer profissionais do setor.

Cortázar foi um radical crítico da realidade social – cedeu os direitos autorais das duas obras a grupos de esquerda, como os sandinistas da Nicarágua e a resistência à ditadura de Augusto Pinochet, no Chile. E, como evidencia a citada frase de Godard, o autor argentino estava em sintonia também com a vanguarda do cinema da época: dois contos dele inspiraram os revolucionários filmes Blow up- depois daquele beijo, de Michelangelo Antonioni, e Week end à francesa, do próprio Godard. Além do cinema, nos livros recém-lançados o autor analisa a dança, fala de questões ambientais bizarras (o desaparecimento dos crocodilos de Auvergne) e do surrealismo de Salvador Dalí. Mas há também passagens bastante pessoais como em /vamos todos cirandar, na qual ele narra a sua iniciação sexual e descreve o seu primeiro contato com uma prostituta. Lembra de como foi convidado pela mulher para uma bebida, ficando maravilhado no breve momento em que conversavam, ele “filhotinho” e a moça “fêmea ruiva”, no bar de “um prostíbulo de primeira classe com sofá verde e tudo”. Dessa experiência ele conclui: “O gesto e o ritual eram de raiz lingüística. Esses cinco minutos me fizeram escritor.”

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