Foi mexendo no guarda-roupa da sogra, ajudando-a a eleger a melhor produção para sua festa de 40 anos, que a empresária Tânia Derani esbarrou em uma caixa marrom, grande e empoeirada. Ao olhar com mais atenção, pôde ler em letras brancas, que quase saltavam: Dener. "Abri a caixa e caí para trás!", lembra Tânia. Descansava na embalagem, quase intacto, um vestido de alta-costura do mais significativo costureiro brasileiro até o surgimento de uma nova geração de estilistas na década de 90. De crepe, tinha dois tons de branco e bolas desenhadas com filetes dourados. Naquele momento, Tânia, uma das mulheres mais elegantes do País, esqueceu da produção da sogra e decidiu que daria à peça esquecida no passado a chance de brilhar novamente. Aquele seria o traje que ela usaria no dia de seu aniversário. Ivette Derani, sem saída, presenteou a nora com a peça que havia sido feita, em 1972, sob medida para ela, para usar como madrinha de casamento de uma sobrinha. "Minha sogra é mais baixa do que eu, por isso desfiz a barra e coloquei um sapato baixo", diz Tânia. A foto da empresária, linda de vestido Dener e sandália rasteirinha, feita há quase quatro anos, foi publicada em colunas sociais de jornais e revistas do País.

O vestido branco costurado especialmente para Ivette era objeto de desejo na época. Além de trazer a grife Dener Pamplona de Abreu (1936- 1978), costureiro que vestiu socialites e a elegantíssima primeira-dama Maria Thereza Goulart na década de 60, a vestimenta era bem construída, tinha bases simples e não derrapava em excessos. Com o passar dos anos, ao mesmo tempo que Dener entrou para a história da moda, a peça se tornou um clássico. Ao ser usado por Tânia, em perfeito estado, décadas depois de ser confeccionado, virou um objeto vintage. Para honrar esse título, não basta ser antigo, é preciso ter representatividade histórica. Trata-se, portanto, de um vestido que agrega aos seus valores de ontem o fato de permanecer atual hoje.

i59358.jpg

Muito se fala em peças de roupa e acessórios vintage de estilistas como o francês Yves Saint Laurent, o italiano Gianni Versace e o japonês radicado em Paris Kenzo Tanaka, por exemplo. Ao mesmo tempo, o consumidor brasileiro começa a valorizar a moda feita anos atrás em nosso quintal. Exemplo disso são mulheres jovens, de famílias tradicionais, do eixo Rio-São Paulo, que estão muito interessadas no guarda-roupa de suas mães e avós. E também mulheres maduras, que, vira-e-mexe, resgatam do fundo do baú os vestidos que usavam na juventude. "Apesar de não nos importarmos tanto, temos história o suficiente para eleger nossas peças vintages. E devíamos fazer isso", diz o pesquisador de moda Marco Sabino.

Nos Estados Unidos e na Europa (especialmente na França), coleção de grife bem-recebida pela mídia e desfilada por artistas e formadores de opinião tem tudo para entrar, anos depois, para a lista de artigos disputados a tapa por mulheres – e alguns homens, é claro – interessados em moda. No mercado vintage, há livros e guias para identificação de peças antigas valiosas, brechós e leilões especializados. A atriz americana Julia Roberts é exemplo de quem reverencia o passado. Em 2001, ela desfilou no tapete vermelho da premiação do Oscar, um dos eventos mais festejados dos Estados Unidos e espécie de vitrine de estilistas top, usando um modelo Valentino de anos atrás. Foi aplaudidíssima e lançou tendência. "O vintage pode ter surgido de uma necessidade de preservação fashion, como uma alternativa para a posse de artigos exclusivos ou, simplesmente, como uma modalidade rentável de comércio", afirma Sabino.

No Brasil, mulheres como Tânia já perceberam que, para estar bonita, bemvestida e atual, não é preciso, necessariamente, recorrer a uma roupa nova que acabou de brilhar na passarela. A consultora Paula Trabulsi, 29 anos, adora pegar emprestado os vestidos da mãe para usálos em ocasiões especiais. A matriarca da família possui dezenas de modelos assinados por Dener e Guilherme Guimarães, por exemplo. "Minha mãe era amiga de Dener e tem muitos vestidos dele, inclusive, catalogados", diz Paula. Gui-gui, como Guimarães é conhecido, é contemporâneo de Dener. E o único dos costureiros de sua geração, que fez história nos idos dos anos 60 até início da década de 80, que continua na ativa. Exótico e discreto, Gui-Gui continua costurando para clientes antigas como Carmem Mayrink Veiga, Evinha Monteiro de Carvalho e Lourdes Catão. Além delas, faz roupas para serem usadas em batizados, formaturas e casamentos – aqui, incluen-se os vestidos de noiva – para as filhas e netas das três, por exemplo. Para isso, atende em sua casa no Rio de Janeiro.

Superligada em moda, a estilista Vandinha Jacintho, 29 anos, conseguiu convencer a avó Vanda Jacintho, 70, a lhe dar alguns de seus Markitos. "Ela tem um acervo de bordados, mas não libera todos", entrega a neta. "Pode até me emprestar, mas é dois "v": vai e volta". Conhecido por suas criações glamourosas, Markito (1952-1984) se destacava pela sensualidade que imprimia nas peças de tecidos como o jérsei bordado com paetês – um luxo nos anos 80. Para usar, no entanto, Vandinha, que carrega mais de uma dezena de tatuagens pelo corpo, gosta de customizar a peça. "Costumo usar vestidos longos, mais curtos, por isso prendo com um cinto Yves Saint Laurent", diz. A estilista soube da existência das roupas ao ver fotos antigas da avó, deslumbrante nos modelitos. Tão apaixonada que é pelos antiguinhos clássicos, Vandinha já revirou brechós atrás de raridades. "Há lugares que não têm nem idéia do que estão vendendo", diz Vandinha. A estilista adquiriu um vestido de Markito e um modelo assinado por Clodovil em uma dessas lojas. Outro nome forte da alta-costura nacional, Clodovil deixou as tesouras de lado para focar na política. O preço de um modelo vintage brasileiro em um brechó de luxo varia muito, mas dificilmente sairá por menos de R$ 2 mil.