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BUSCA Policiais e soldados fazem blitz à procura de sete fuzis roubados de quartel do Exército na cidade de Caçapava

Por dia, 35 mil pessoas discam 190 em busca de algum tipo de socorro na central telefônica da Polícia Militar na cidade de São Paulo. Essas chamadas geram 12 mil ocorrências diárias. Esses seriam os números oficiais do mapa da violência na cidade mais rica do País. Na mesma estimativa, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo apurou que, no último ano, foram praticados, só na capital paulista, 143.460 crimes violentos – homicídios dolosos, roubos, latrocínios e estupros.

São quase 17 por hora. Dos 4.690 assassinatos, 371 foram cometidos por policiais militares em serviço. Em todo o Estado, de acordo com o governo, a estatística praticamente dobra. No entanto, descobriu-se, na última semana, que esses números revelam apenas uma parte da violência paulista. Uma desconhecida quantidade de mortes cometidas por PMs está fora das contas oficiais. São os assassinatos praticados por um esquadrão da morte formado por bandidos de farda.

Até agora, a polícia descobriu que 15 pessoas foram encontradas mortas, de abril a outubro do ano passado, vítimas desse grupo de extermínio. Ele agia na periferia de São Paulo e, em muitos casos, além de decapitar e decepar as mãos das vítimas, ainda fazia um corte na barriga delas em forma de cruz. Batizados de "Higlanders", uma alusão ao filme estrelado por Christopher Lambert nos anos 1980, em que guerreiros cortavam a cabeça de seus inimigos, o grupo de PMs, que agora está preso, alegou que fazia nada menos que uma "limpeza social" ao cortar com motosserra e machados os corpos de supostos traficantes e assaltantes.

Antônio Carlos da Silva, o Carlinhos, 31 anos, era portador de deficiência mental. Na tarde de 8 de outubro, policiais militares que faziam uma ronda de rotina na zona sul de São Paulo deram-lhe voz de prisão. Apesar da deficiência, Carlinhos fazia uns "bicos" de pintor e voltava para casa depois do trabalho quando foi abordado pelos PMs. Eles o colocaram dentro do camburão. Uma semana depois, Carlinhos era apenas mais um corpo sepultado sem cabeça e sem mãos em uma cova rasa na periferia da capital, e nunca seria contado pelas estatísticas.

A família Silva reconheceu o corpo graças a uma tatuagem de teia de aranha no braço esquerdo. No dia 3, quase cinco meses depois do assassinato, os exames de DNA comprovaram que os restos mortais eram de Carlinhos, o corpo foi exumado e transferido para outro cemitério. A morte de Carlinhos gerou uma investigação da Polícia Civil sobre os misteriosos corpos decapitados e abandonados.

O inquérito se desdobrou e terminou com a prisão de 14 PMs e um comerciante. "Estamos diante de uma organização criminosa formada por células, sendo certo que alguns achacam, alguns arrebentam, alguns executam e outros acobertam esses crimes", afirma Ivan Gerônimo da Silva, chefe dos investigadores.Mas não é só a organização criminosa formada por PMs que vem tirando o sono do secretário de Segurança do Estado, Rodrigo Marzagão, e do governador José Serra.

Nos últimos dias, um ex-policial civil vem denunciando que cargos em delegacias e sentenças para readmissão de policiais corruptos afastados são comercializados por até R$ 300 mil, e tudo com o suposto aval do ex-secretárioadjunto da segurança Malheiros Neto. Pior: tudo gravado em vídeo. Para complicar ainda mais a situação do número 1 da Segurança Pública no cargo, ao mesmo tempo que todas essas acusações recaíam sobre Marzagão, um orquestrado grupo de bandidos investiu em assaltos bem-sucedidos em depósitos de armas no Estado.

Em pouco mais de uma semana, eles reforçaram os seus arsenais com quase 150 novas armas, entre as quais 29 fuzis, mais de 100 pistolas e 60 mil cartuchos. Sete fuzis foram levados, no domingo 8, de um quartel do Exército em Caçapava (116 quilômetros da capital). Menos de 72 horas depois foram roubados 22 fuzis de um centro de treinamento tático utilizado por policiais, em Ribeirão Pires (município da região metropolitana).

"O crime está dominando o Estado", diz o deputado estadual Major Olímpio (PV). Representante da base do governo na Assembleia Legislativa, Olímpio começou a recolher assinaturas para criar uma CPI na área de segurança pública. Em três dias, a lista somou apoio de 25 deputados dos 32 necessários para instalar a comissão. "Não importa que eu seja da base aliada. O certo é que a segurança pública virou uma máquina podre", diz. Marzagão não foi encontrado para comentar as denúncias.

Há um mês, ele assistiu ao avanço do tráfico sobre a até então favela-modelo de Paraisópolis (zona sul da capital) e sua transformação em praça de guerra. O caso ainda carece de explicações. Outros números também arranham a gestão do secretário, como o aumento de 4,1% nas ocorrências de estupros e de 21,4% nas de latrocínios (roubo seguido de morte), em relação a 2007. "Na área de segurança não existem coincidências, tenho medo que uma grande operação criminosa esteja sendo montada pelos bandidos depois de conseguirem todas essas armas", diz o Olímpio.

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VíTIMA Família no enterro de Carlinhos, deficiente mental morto por grupo de extermínio que o confundiu com marginal