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ESPERANÇA
Jênyce e Eduardo aguardam pela gravidez e o filho que pode curar Maria Vitória

Existe limite para o empenho de pais em busca da cura para um filho doente? Até onde esse esforço pode chegar e quem pode julgá-los por suas decisões? Essas são perguntas que têm perpassado a vida de Jênyce e Eduardo da Cunha desde que decidiram ter um novo bebê, criado em laboratório, para ajudar a filha Maria Vitória. A menina, de 3 anos, tem uma doença rara no sangue: a talassemia major. Sua medula óssea produz glóbulos vermelhos menores e com menos hemoglobina, dificultando o transporte de oxigênio para o organismo.

A enfermidade, que pode levar à morte, é tratada com transfusões de sangue de três em três semanas e doses diárias de um comprimido de quelante de ferro. “O tratamento garante uma vida saudável, mas não podemos dizer que ele seja fácil”, considera Sandra Loggetto, hematologista da Associação Brasileira de Talassemia. A rotina de cuidados, porém, pode ser mudada se for feito um transplante de medula óssea – o novo órgão substitui o defeituoso. O problema é que Maria Vitória é filha única e seus pais não são compatíveis. Por isso, os dois decidiram ter outro filho. O objetivo é extrair as células-tronco do cordão umbilical e implantá-las em Maria Vitória para que construam uma nova medula na menina. Desta vez, sem defeito. Para aumentar a chance de dar certo, o casal optou pela criação do embrião em laboratório. Desta forma, será possível escolher embriões sem risco de ter a doença e, melhor ainda, os que forem totalmente compatíveis com a irmã. De acordo com a Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, será a primeira vez no País que isto – a criação de embrião completamente compatível – ocorrerá.

Há casos de seleção de embriões para evitar doenças geneticamente herdadas ou problemas cromossômicos, mas não de análise do HLA para garantir a compatibilidade entre o bebê e seu irmão. HLA é a sigla para denominar os antígenos dos leucócitos humanos, proteínas que se encontram na superfície de quase todas as células e determinam sua compatibilidade com as de outras pessoas. “A seleção de embriões não deve ser confundida com a manipulação”, diz o geneticista Ciro Martinhago, diretor da RDO Diagnósticos Médicos, responsável pelo caso. Na seleção são eliminados os embriões que possuem as características indesejadas, mas não são realizadas modificações em sua estrutura.

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APOSTA
Miguel (atrás) torce para que o cordão de Luiz ajude Lucas

Os médicos acreditam que dentro de dois meses Jênyce estará comemorando a gravidez do bebê que poderá ajudar a curar Maria Vitória. A decisão do casal, no entanto, gerou polêmica. “Tem gente que não concorda com nossa decisão”, diz Eduardo. “Mas se podemos recorrer à genética, por que não fazê-lo?” Os críticos à atitude têm vários argumentos. “Há uma carga muito grande sobre a criança quando se tem um filho somente para salvar o outro”, afirma Cláudio Cohen, presidente da Comissão de Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “O grande problema dessa decisão é pensar exclusivamente na cura do filho doente e isso não dar certo”, alerta Nelson Hamerschlak, hematologista responsável pela Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital Albert Einstein. Nada disso, entretanto, interfere na alegria de Jênyce. “Se não pudesse ter um bebê sem a doença, adotaria outra criança, pois sempre quis dois filhos. Se ele puder ser saudável e ajudar a Maria Vitória, melhor.”

Outros pais que tiveram mais um bebê para salvar um irmão também defendem a decisão. É o caso de Mônica Mendonça. Em 1994, percebendo que a filha Isabella piorava a cada dia da leucemia – tumor nos glóbulos brancos, também fabricados pela medula óssea –, ela resolveu aumentar a família, mesmo já tendo três filhos. Bárbara nasceu em 1995 e o transplante das células-tronco do cordão foi realizado com sucesso. Isabella estava, enfim, curada. Margareth Medeiros, mãe de Guilherme, que também tinha leucemia, conheceu Mônica quando ambas acompanhavam os filhos, no Hospital Albert Einstein, e tomou a mesma decisão. Em 1995, nascia Gabriela. Mas as células do cordão de Gabriela não precisaram ser usadas no irmão, curado pouco antes do nascimento da menina. O cordão permaneceu congelado e foi usado pela própria Gabriela, em 1998, no que foi o primeiro transplante autólogo de cordão umbilical do mundo. Ou seja, em que o doador foi o próprio paciente. A menina teve um neuroblastoma, um tumor infantil também passível de ser tratado com as células do cordão.

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ESPECIAL
Gabriela (à frente) foi gerada porque o irmão Guilherme tinha leucemia

Atualmente, as células-tronco do cordão só têm seu uso consagrado no tratamento de doenças do sangue. Mas cientistas pesquisam outras utilizações. Há estudos sobre seus efeitos contra doenças cardiovasculares e diabetes, por exemplo. Nessas promessas repousam as esperanças de Lucas Sebben, 21 anos, tetraplégico após um acidente, em 2007. Pensando em tratamentos que possam vir a ser descobertos, a família congelou as células do cordão umbilical de Luiz Henrique, irmão de Lucas, nascido no dia 24 de junho. Eles torcem para que elas sirvam para reconstruir as fibras nervosas rompidas pelo acidente e, assim, restaurar a comunicação entre o cérebro e os membros, devolvendo-lhes os movimentos. “O cordão pode ser uma reserva biológica para a criança e os irmãos”, diz Carlos Ayoub, diretor do Centro de Criogenia Brasil. “O material está guardado e, quando for possível, o usarei”, diz Lucas.

No entanto, há uma limitação na forma como o armazenamento do cordão é feito hoje. Guarda-se apenas o sangue nele contido. Na solução, estão células-tronco, é verdade, mas a maior parte delas dá origem apenas a células sanguíneas. É no tecido que recobre o cordão que estão presentes em maior quantidade as células-tronco que se transformam em músculos, ossos ou cartilagens, por exemplo. Células extraídas da membrana são alvo de estudos de Bridget Deasy, da Universidade de Pittsburgh (EUA). “Estamos fazendo testes para produzir ossos, músculos e cartilagens a partir dessas células-tronco”, disse à ISTOÉ. Por isso, ao jogar fora o tecido, está-se perdendo uma fonte riquíssima de células-tronco. Mas ainda não há tecnologia acessível aos bancos de cordões para que possam conservá-lo também.

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