"Que programa de proteção é esse que deixa um garoto morrer na piscina da casa que deveria ser seu porto seguro?"
Maria José, advogada

i59200.jpgEm outubro de 1998, Cláudia (*), depois de muito pedir, conseguiu ingressar no Programa de Apoio e Proteção a Testemunhas, Vítimas e Parentes das Vítimas (Provita), criado em Pernambuco em 1996 e que, naquela época, estava sendo implantado no Rio de Janeiro graças a um convênio com o governo federal. Cláudia pedia segurança para ela e seus dois filhos. Ela testemunhara contra um grupo de policiais federais, civis e militares, investigados por tráfico de drogas, extorsão e pela morte do traficante Carlos Antonio Ruff. Mas ela não obteve a segurança almejada. Sem assistência médica e psicológica e quase passando fome, Cláudia abandonou o Provita em 2002. Desamparada, ela pediu o retorno e foi reintegrada no mesmo ano. Em 2006, entretanto, Cláudia foi desligada definitivamente, sob a alegação de ter desrespeitado uma das regras do programa – teria revelado a um desconhecido que estava sob proteção. Hoje, aos 45 anos, perambula pelo Rio de Janeiro, vulnerável à vingança de quem denunciou e, segundo diz, sendo ameaçada. Sua preocupação, agora, é com o filho mais velho, hoje com 26 anos, que continua no programa, mas está prestes a ser desligado, já que a permanência prevista é de apenas dois anos. “Se ele voltar, será morto”, diz a angustiada mãe.

Criado em Pernambuco pela organização não-governamental Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Populares (Gajop), em 1996, o Provita foi encampado pelo governo federal, dois anos depois e estendido a vários Estados brasileiros. Em 1999, o governo federal sancionou a Lei nº 9.807, regulamentando o sistema de proteção, incluindo a delação premiada e a possibilidade de mudança de identidade de pessoas protegidas. O Sistema Federal de Proteção às Vítimas e Testemunhas Ameaçadas é administrado por ONGs, com participação do Ministério Público, do Poder Judiciário e das administrações dos Estados conveniados, com verbas dos governos federal e estaduais.

Apesar das boas intenções, em menos de dez anos o sistema mostrou-se ineficaz, com vários casos de desistência, desligamentos e até mortes de testemunhas sob proteção – o que é negado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH). “Oficialmente, não reconhecemos nenhuma morte de pessoas integradas ao programa”, diz a assessora de imprensa da SEDH, Carla Oli veira. “Uma pessoa só é desligada quando não corre mais risco nenhum. Mas tem gente que, mesmo assim, quer continuar no sistema. Então, ela é desligada”, diz. Para o ex-procurador Geral de Justiça do Rio e membro da Comissão de Segurança e Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Antonio Carlos Biscaia, também deputado federal (PT/RJ), a estrutura para uma proteção efetiva à testemunha não é a mais correta. “Sou contra transferir responsabilidade de proteção a testemunhas a organizações não-governamentais, como o Provita. O Estado é quem deve assumir essa obrigação”, afirma. Biscaia defende o que dá certo em outros países, como os Estados Unidos, onde a responsabilidade é do Departamento de Justiça.

A advogada Maria José (*), 40 anos, deixou o Provita, em Brasília, e retornou ao Rio depois de encontrar o filho adolescente morto na piscina do condomínio onde estava sob o abrigo que lhe fora oferecido. “Queriam arquivar o caso como afogamento. Não concordei. Quero que a morte do meu filho seja investigada”, brada ela. Maria José diz que o filho foi assassinado, já que ele sabia nadar muito bem. Segundo ela, eles estavam sob proteção porque um parente próximo testemunhara contra agentes da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio, acusados de torturar e matar o comerciante sino-brasileiro Chan Kim Chang, em 2003. Hoje, revoltada, Maria questiona: “Que programa de proteção é esse que deixa um garoto morrer na piscina da casa que deveria ser seu porto seguro?” Em março de 2007, Andréa (*), 29 anos, foi desligada do Provita por não ter conseguido emprego num Estado do Nordeste, onde estava escondida. A mulher, que denunciou o envolvimento de membros do MST de Rondônia com o crime organizado, só não foi para a rua da amargura porque o defensor público da União, Dinarte Pascoal Freitas, conseguiu ordem judicial para que ela fosse reinserida no programa até que conseguisse meios de se sustentar sem correr riscos. “Ela não conseguia emprego por não poder se identificar e não ter referências”, explicou Freitas. “Testemunha não pode ser abandonada”, afirma.

Outras duas mortes ocorreram no mesmo ano, em 2002. No dia 6 de maio, Márcia de Lima Nunes, 19 anos, foi encontrada morta por enforcamento no apartamento onde fora hospedada pelo programa, em Porto Alegre. Conhecida como “A testemunha número 11”, Márcia havia denunciado policiais à CPI de Combate ao Crime Organizado, por envolvimento na exploração sexual de crianças e adolescentes no Rio Grande do Sul, dois anos antes de ser encontrada morta. O outro crime aconteceu com a estudante paulista Karina Mousquer Arndest, 26 anos, igualmente encontrada morta por enforcamento num hotel da região serrana do Rio, no dia 10 de outubro. Cinco meses antes, denunciara um policial por tráfico. Condenado a nove anos de prisão, o policial conseguiu fugir da cadeia quase um mês antes da morte de Karina.