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Um século antes de o aristocrata Marquês de Sade (1740-1814) escandalizar a Europa com suas ideias e conduta libertinas, o que lhe custou quase três décadas de prisão, um jovem abade, íntimo da realeza, já se fazia precursor da libertinagem na França. Ele chamava-se François-Timoléon de Choisy (1644-1724), era filho de um alto funcionário da corte do rei Luís XIV e foi nomeado abade aos 18 anos. É a partir dessa nomeação que Choisy passa a exercer seus dotes de seduzir mulheres e submetê-las a seus desejos e caprichos sexuais.

O mais curioso é que esse domjuan francês vestia-se não como homem, mas, muito pelo contrário, trajava-se como mulher – e com todo o requinte que se cobrava de uma dama da alta sociedade. Ele também era dado a fazer polpudas doações à Igreja e com maestria ganhava a confiança das mais recatadas famílias. Quanto às jovens que o abade abatia, ele as escolhia entre aquelas que lhe pareciam mais ingênuas ou sonsas. Prometia-lhes compartilhar "segredinhos femininos". Mas, na verdade, as convencia a participar de jogos sexuais. "As damas me preferiam. Sem dúvida percebiam em mim, apesar das toucas e saias, algo de masculino", escreveu certo dia Choisy.

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LIBERTINO Sob o reinado de Luís XIV (abaixo), Choisy (em ilustração da época, acima) foi criado como menina. Não se afeminou e tornou-se garanhão

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As bem-sucedidas aventuras desse religioso, primeiro como madame de Sancy e depois como condessa des Barrer (nomes femininos que adotou), constam da recém-lançada autobiografia Memórias do abade de Choisy vestido de mulher (Rocco, 160 págs., R$ 24). Qual o segredo de sua arte erótica ou, em palavras mais diretas, o que fez do abade um machão? Ele credita o fato aos esforços de sua mãe que o fazia parecer… uma menina. Aplicava- lhe cremes que inibiam o crescimento de pelos e obrigava-o a usar espartilhos para moldar a silhueta.

Em vez de isso afeminá-lo, tornou-o um sedutor espertalhão que se aproximava das mulheres fingindo ser mulher até dar o bote. Choisy lembra de sua infância: "Eu, já de orelhas furadas, usava diamantes e pintas e todas essas afetaçõezinhas às quais a gente tão facilmente se acostuma e das quais dificilmente se desfaz." A atitude da mãe nunca foi ponto sem nó: para dar um empurrão na ascensão social de Choisy, ela visava aproximá-lo do irmão mais novo de Luís XIV. E esse irmão também era criado como menina (por determinação real, para que não viesse a se insurgir contra o irmão mais velho).

Após conquistar as mulheres, o abade enjoava-se delas. E ensinava-lhe o cinismo: "Creio que você bem se lembra das noites felizes que passamos juntas; com o seu marido, lembre-se de fazer com consciência tudo aquilo que fez naturalmente comigo, sem saber o que fazia. Chore, grite, a fim de que ele creia ensinar-lhe o que comigo aprendeu."