Presidente da Câmara critica decisões do TSE e do Supremo e diz que juízes, policiais e jornalistas devem ter fichas limpas

O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), é homem metódico. Em 1992, ao assumir o comando do diretório do PT em São Paulo, espantou-se com os atrasos dos companheiros e determinou que as reuniões começariam às 7 horas, com qualquer quórum. Quem se atrasasse teria a justificativa publicada no jornal do PT. Deu certo. Desde que chegou à presidência da Câmara em 2007, Chinaglia adotou o mesmo rigor. Passou a iniciar a ordem do dia pontualmente e economizou R$ 22 milhões de hora extra ao encerrar o expediente às 19 horas. Também decidiu convocar às segundas- feiras à tarde e quintas-feiras de manhã sessões deliberativas, nas quais os ausentes têm o ponto cortado. No fim das férias de julho, enviou telegramas para os 512 deputados informando que haveria votação na segunda-feira 4 de agosto. Os faltosos teriam o salário descontado. Resultado: 480 presentes à sessão de reabertura, um fato inédito, sobretudo saindo do recesso. “Ninguém precisa de bedel. Os que vieram sabem que contribuíram para elevar o patamar de respeito à Câmara. Os que não vieram fizeram uma escolha. O resto é conseqüência”, diz.

Gestor rigoroso, Chinaglia irrita-se com os comentários de que o Legislativo seria um dos mais caros do mundo. Considera descabida a comparação com parlamentos de países da América do Norte e da Europa. “É o mesmo que comparar banana com abacaxi.” Seu principal argumento é de que, no Brasil, a Câmara arca com a aposentadoria dos servidores, o que eleva seus gastos. Ele questiona a origem dos recursos que financiam ONGs que fiscalizam o bom uso do dinheiro público. “Alguém sabe quem financia a Transparência Brasil? Eu gostaria de saber.” Em entrevista à ISTOÉ Arlindo Chinaglia disse que a transparência tem que valer para todos os Poderes, criticou o que qualifica de intromissão do Judiciário em assuntos do Legislativo e cutucou o governo ao dizer que o excesso de medidas provisórias impede a tramitação de propostas importantes para o próprio Palácio do Planalto, como é o caso da reforma tributária.

ISTOÉ – O sr. é a favor da divulgação das fichas sujas de candidatos a eleições?
Arlindo Chinaglia

O que caracteriza a ficha suja? É alguém que está sendo julgado? Se é isso, os magistrados que defendem a divulgação da ficha suja estão julgando ou prejulgando? Para se colocar com essa autoridade toda, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) não deveria dar o exemplo e divulgar a lista dos juízes que estão sendo julgados pela corregedoria? Estendo o raciocínio para qualquer atividade: policiais, Judiciário, Ministério Público, imprensa e Parlamento. Não há problema, desde que todos estampem as suas informações.

ISTOÉ – Mas o caso do Parlamento é diferente, não?
Arlindo Chinaglia

Sem dúvida. Mas quando faço essas observações é porque acho que fica difícil o TSE defender a divulgação das fichas sujas sem dizer o que é e principalmente sem julgar os casos que estão pendentes. Por que não julgam imediatamente casos de prefeitos, deputados e governadores? Caso contrário, estarão protegendo aqueles que podem estar exercendo o mandato indevidamente. Esse seria um grande serviço para a Nação. Mas eu sou apenas um médico. Quem sou eu comparado a magistrados e juristas?

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ISTOÉ – O Judiciário vem interpretando questões que regulamentam a vida política do País. Isso seria intromissão de um Poder no outro?
Arlindo Chinaglia

Sim. O argumento de que se um Poder supostamente não cumpre sua função pode ser suplantado por outro não é válido. Basta pensar no seguinte: se o Judiciário não julga, ele nos daria, com a mesma moeda, o direito de fazer justiça com as próprias mãos? Uma coisa não pode justificar a outra. Maior exemplo disso é que o TSE, quando decidiu que quem mudasse de partido perderia o mandato, contrariou entendimento do próprio TSE que, há menos de três anos, decidira por unanimidade que quem mudasse de partido não perderia o mandato.

ISTOÉ – O Judiciário, então, está extrapolando de suas funções?
Arlindo Chinaglia

Nesse caso específico, o Judiciário não deu segurança jurídica para o País. Tanto é que o Supremo veio em seguida e deu uma arrumada. Aliás, quando um ministro do TSE disse que eu já deveria ter afastado os deputados que tinham mudado de partido, ele, que também é do STF, foi contrariado em seguida pelo próprio Supremo. Outro exemplo: o Legislativo decidiu que haveria cláusula de barreira. Dez anos depois, o STF derrubou a lei dizendo que aquilo feria direitos de minorias.

ISTOÉ – Como estão as relações entre a Câmara e o Executivo?
Arlindo Chinaglia

Muitas vezes há uma interpretação equivocada de que o fato de os Poderes exercerem suas funções implica uma relação ruim. Mas são boas. Existe uma questão, porém, a ser mais bem resolvida que diz respeito às medidas provisórias. Eu defendo que MP não deva trancar a pauta. Mas de qualquer forma aprovamos vários pontos de uma proposta de emenda à Constituição de autoria do ex-senador Antônio Carlos Magalhães. A MP tem vigência imediata, a admissibilidade será dada pela Comissão de Constituição e Justiça, não tranca a pauta. Vai para a pauta depois de 15 dias, pode ser introduzida outra matéria, desde que por maioria absoluta.

ISTOÉ – O governo concorda com as mudanças?
Arlindo Chinaglia

A pessoa com quem eu mais falei e teve absoluta abertura ao tema, procurando entender para ter elemento de convicção, foi o presidente da República. Falei com ele cinco, seis ou mais vezes. Já assessores, ministros e a burocracia palaciana e dos ministérios nem sempre têm a experiência de lidar com o Legislativo. Quando o governo faz uma MP, atende a demandas da sociedade. Os empresários, por exemplo, quando se trata de algo que os beneficia, preferem a medida provisória, pois ela tramita mais rápido. Se o Executivo tem a tarefa de governar o País, ele não tem que ficar dependente de um Legislativo moroso. Mas, ao trancar a pauta, as MPs impedem que a Câmara e o Senado definam sua pauta legislativa. Você é atravessado o tempo todo. E o número de MPs é muito grande.

ISTOÉ – O que fazer, então?
Arlindo Chinaglia

Não excluo a necessidade de mudanças no Legislativo. Mas, com as primeiras mudanças nas MPs, o passo que já temos exercitado é que, sempre que tivemos a pauta desobstruída, conseguimos avançar por amplo consenso no colégio de líderes. O que demonstra que a percepção política do Legislativo é suficiente para resolver problemas do País.

ISTOÉ – No caso específico da MP que criou o Ministério da Pesca, qual foi o motivo da reação negativa do Legislativo?
Arlindo Chinaglia


Foi dito o óbvio. Se existe uma secretaria que já tem status de ministério e vem funcionando como tal, por que não enviar um projeto de lei para transformá-la em ministério? Primeiro, não haveria nenhum prejuízo na função. Segundo, é possível negociar a prioridade. Mas a medida provisória, segundo o mandamento constitucional, deve ter urgência e relevância. Qual é realmente a urgência de transformar a secretaria em ministério? Não é fácil encontrar esse argumento.

ISTOÉ – E qual é a avaliação do governo sobre a questão de reforma tributária?
Arlindo Chinaglia

Eu conversei a respeito com o ministro da Fazenda, com o ministro do Planejamento e a ministra da Casa Civil e pedi que falassem com o presidente. Na seguinte linha: é preciso ter em conta que uma seqüência de MPs leva a comprometer a pauta que o próprio governo tem como prioridade. E a reforma tributária é uma delas. Mostrei que já podíamos ter votado a reforma tributária no primeiro semestre. Estava pronto para votar. Mas pesou uma combinação: de um lado medidas provisórias e, de outro, obstrução da oposição.

ISTOÉ – Quais os temas mais importantes?
Arlindo Chinaglia

O ponto mais relevante de qualquer reforma política é o financiamento público, que implica automaticamente o voto em lista. Entre se subordinar ao peso econômico e à lista, acho melhor a lista. Hoje, em alguns casos, a principal disputa é com o próprio parceiro de partido. Outra coisa importante é a aliança proporcional. Muitas vezes, a pessoa vota num determinado candidato e acaba elegendo outro, de outro partido. A burocracia partidária tem muitos poderes no modelo atual. Seria uma revolução política impedir a existência indefinida de comissões provisórias de partidos, em que um dirigente nacional intervém na hora que quer, sem dar explicações para ninguém. Outro ponto: a coligação não deveria implicar a soma dos tempos dos partidos na tevê. Assim, as coligações seriam efetivamente políticas.

ISTOÉ – A visão da sociedade sobre a classe política é negativa. O sr. considera justa essa percepção?
Arlindo Chinaglia

O poder emana do povo. Quando as críticas vêm dos cidadãos, é nosso dever ouvi-las e entendê-las, mesmo quando não concordamos. Agora, os autointitulados porta-vozes dos cidadãos não têm a legitimidade de quem foi votado. É preciso ver de onde vêm as críticas. Veja, por exemplo, o caso da lei seca. O noticiário não foi claro e, portanto, não foi justo. As pessoas não sabem que foi a Câmara dos Deputados que introduziu aquilo que é a essência da lei seca. A MP que veio do governo tratava apenas da proibição de venda de bebida alcoólica em estradas federais. A essência, quem bebe não pode dirigir, foi decisão da Câmara. Mas ninguém soube disso. Falo dessa lei porque foi talvez a que mais me deu satisfação. Estamos salvando vidas. Sem informação, como a sociedade pode fazer uma avaliação justa a nosso respeito?

ISTOÉ – É uma questão apenas de desinformação?
Arlindo Chinaglia

Não. Eu não digo que o Parlamento não tem vícios e defeitos. Mas que cada um de nós responda pelos seus atos. E que a instituição não pague pelos desatinos de quem quer que seja. O Parlamento não é criticado somente no Brasil, mas no mundo inteiro.

ISTOÉ – Há quem diga que o Congresso brasileiro é um dos mais caros do mundo. É o que aponta, por exemplo, a ONG Transparência Brasil.
Arlindo Chinaglia

Esse é o chamado comportamento de manada. Ninguém conhece a fundo o estudo da Transparência Brasil. Eles comparam banana com abacaxi. O Parlamento brasileiro paga a aposentadoria de seus funcionários, o que não acontece no Exterior. E isso gera uma brutal distorção. Todo mundo cita a Transparência Brasil. Essa entidade deveria divulgar seu próprio orçamento. De onde vem o dinheiro dela, quem a financia? Eu não sei. De repente, qualquer ONG se coloca como arauto da sociedade brasileira.

ISTOÉ – Mas não é possível cortar gastos na Câmara?
Arlindo Chinaglia


Hoje, a Câmara dos Deputados é, comparativamente, uma das mais rigorosas no tratamento de despesas. Proporcionalmente, gasta menos do que qualquer outra instituição legislativa do País. Em um ano e meio, economizamos R$ 22 milhões em horas extras. No ano passado, foram R$ 10 milhões. No primeiro semestre deste ano, R$ 12 milhões. Fizemos um convênio com a Caixa e o Banco do Brasil, de venda da folha de pagamentos, que rendeu R$ 230 milhões. Mas há heranças históricas, como a verba indenizatória e o alto número de funcionários, que não podem ser alterados da noite para o dia. Por isso, me incomoda muito esse neoudenismo de quem só cobra dos outros e se senta em cima do próprio rabo.

ISTOÉ – O sr. vai para o Ministério da Saúde depois que deixar a presidência da Câmara, em janeiro?
Arlindo Chinaglia

Em primeiro lugar, sinto-me plenamente realizado quanto àquilo a que um parlamentar pode almejar. Segundo, quando se diz que alguém vai para algum lugar, isso acaba atingindo o titular da Pasta. Eu fiz questão de telefonar para o ministro José Gomes Temporão e dizer a ele: “Você tem meu integral apoio e no que eu puder ajudar como presidente da Câmara, conte comigo.” Terceiro, essa é uma especulação com base em comentários que não me dizem respeito.

ISTOÉ – O presidente Lula conseguirá fazer seu sucessor em 2010?
Arlindo Chinaglia

Acho que o PT, com uma candidatura bem articulada e alianças bem-feitas, vai para o segundo turno. O PT perdeu o medo de fazer alianças eleitorais e terá o apoio do presidente Lula. Mas não acredito na vitória de nenhum partido no primeiro turno.


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