i59234.jpgPassado o deslumbramento diante do melhor desempenho olímpico dos últimos 100 anos (quarto lugar, com 147 medalhas, sendo 19 ouros) em Pequim, a Grã-Bretanha volta os olhos agora para outro tipo de cronômetro, o que conta os dias para a 30ª Olimpíada, em 2012, a ser realizada em Londres entre 27 de julho e 12 de agosto. No canteiro de obras, mil homens trabalham na construção da Vila Olímpica, localizada a sudeste da capital. Nos tapumes, o slogan “Everyone’s 2012”(Todos em 2012) remete ao objetivo principal dos organizadores: realizar a competição mais sustentável da era moderna. O compromisso inclui as três fases do projeto: antes, durante e depois do evento. Promover uma obra sustentável inclui a utilização de materiais oriundos de reaproveitamento, que possam ser utilizados depois. Durante o torneio, serão usadas fontes renováveis de energia (pelo menos 20% do total) e fornecida comida orgânica (14 milhões de refeições), proveniente de produtores locais.

Após a festa, a promessa é reverter a infraestrutura para melhorar a qualidade de vida da população. O estádio olímpico, por exemplo, terá 55 mil lugares (de um total de 80 mil assentos) desmontáveis, o que possibilitará a utilização do local para torneios esportivos comuns. As quatro mil casas construídas para o evento também serão destinadas à comunidade após os Jogos, assim como postos de saúde e linhas de transporte. O sudeste de Londres, na região onde fica o Lower Lea Valley, é considerado o local mais degradado da cidade. Por 400 anos, o vale abrigou indústrias têxteis e de petróleo e, no último século, vinha sendo utilizado como depósito de lixo doméstico. O país pretende investir 9,35 bilhões de libras (R$ 28 bilhões) na Olimpíada.

O custo de realização das competições será de 2,2 bilhões de libras (R$ 6,6 bilhões), bancados com a venda dos direitos televisivos e ingressos e a verba de patrocinadores. O orçamento final da Olimpíada de Pequim foi de R$ 80 bilhões. Londres é a primeira cidade do mundo a abrigar os Jogos três vezes. Pelos cálculos do governo, o evento de 2012 já representa investimentos de 7 bilhões de libras (R$ 21 bilhões) do setor privado. Os ingressos começam a ser vendidos em 2011. Entre os locais já definidos para abrigar as competições estão Wimbledon para as partidas de tênis, o Hyde Park para o triatlo e o Estádio de Wembley para o futebol.

Os ingleses vêem nos Jogos a oportunidade de resgatar o orgulho de nação mais sofisticada da comunidade européia. Mas essa mudança de comportamento e a busca pela sustentabilidade são recentes na capital mais populosa da Europa. Na posição de oitavo país que mais polui a atmosfera (44 milhões de toneladas por ano, incluindo a aviação civil), a Inglaterra agora quer alcançar níveis de eficiência ambiental comparados aos de outros países da Europa Ocidental, onde a taxa de reciclagem chega a 80%. A Grã- Bretanha está entre os 50% de nações européias que reaproveitam apenas 30% do seu lixo.

A intenção de Londres é reduzir as emissões de carbono em 20% abaixo dos níveis de 1990 até 2016 – e estabilizar em 60% a menos até 2025. A meta é mais ambiciosa do que a estabelecida pelo Protocolo de Kyoto, no qual firmou o compromisso de reduzir as emissões de gases estufa em 12,5% abaixo do ano-base de 1990 até 2012. A prefeitura londrina lançou em fevereiro do ano passado um plano mestre para tratar da questão da mudança do clima e terceirizou a implementação para uma agência especial, a London Climate Change Agency, onde em que se incluem os setores de lixo, energia, água e transporte. Pela internet, tem-se acesso a suporte a qualquer tipo de esforço pela eficiência energética. Moradores e empresas ainda contam com call centers e até consultoria. A principal preocupação é com as casas, que, conforme a agência, respondem por 40% das emissões. As construções são antigas (60% anteriores a 1945), portanto ambientalmente ineficientes. O governo está investindo 4 milhões de libras (R$ 12 milhões), entre 2007 e 2008, apenas para subsidiar reformas para melhorar o isolamento térmico.

O uso de sacolas plásticas, outro vilão para os ambientalistas, está diminuindo. Calcula-se que no ano passado o número caiu de 13,4 bilhões a 12,4 bilhões, uma redução de 14% na produção. Vinte e uma empresas líderes no mercado se comprometeram a cortar 25% da distribuição até o final deste ano. A artista plástica Amanda Culver, 55 anos, utilizava suas próprias bolsas para fazer compras mesmo antes de o hábito virar moda. Além disso, recicla e compra produtos orgânicos, usa roupas de segunda mão e cultiva hortaliças em uma pequena área alugada da prefeitura. “Hoje as pessoas não consertam mais as coisas, jogam fora”, comenta. Apesar do esforço, Amanda não acredita que a cidade conseguirá atingir as metas que está alardeando em curto prazo. Mas não se mostra tão pessimista com os seres humanos e sua capacidade de reverter a crise ambiental. “Somos muito adaptáveis, veja quantas pessoas estão deixando de fumar”, compara.

Além da febre das green bags, outra moda verde se alastra pela capital: as bicicletas. Londres ainda está longe de ser uma Amsterdã (Holanda), a capital mundial desses veículos, mas já se tornou comum cidadãos utilizarem as duas rodas como meio de transporte para trabalhar ou estudar. A Transport for London, gerenciadora do transporte público, calcula em 72% o crescimento de ciclistas na cidade nos últimos oito anos. Aproximadamente 36 milhões de libras (R$ 108 milhões) estão sendo investidos no setor desde o ano passado, principalmente na construção de 900 quilômetros de ciclofaixas, previstas para ser concluídas até 2010 – a metade já está pronta.

Outra medida para reduzir a circulação de carros e incentivar o transporte público foi a ampliação da zona de cobrança da taxa de congestionamento na área central, em fevereiro do ano passado. A mudança dobrou a área coberta pela taxa, existente desde 2003. Trata-se de uma espécie de pedágio para quem quer circular de carro no centro das 7 h às 18 h. Custa 8 libras (R$ 24), com pagamento adiantado, ou 10 libras (R$ 30), no mesmo dia. Quem não obedece está sujeito a multa de 120 libras (R$ 360). Os carros são fiscalizados por câmeras, instaladas em todos os acessos ao centro. Para atender à nova demanda no transporte público, foram colocados mais ônibus em circulação. Nos supermercados, o espaco para comidas orgânicas é cada vez maior. Conforme a Soil Association, que regula o setor na Grã-Bretanha, o movimento do negócio cresceu 2 bilhões de libras (R$ 6 bilhões) em 2006.

Especialistas vêem a onda como positiva, apesar do caráter fashionista das sacolas de algodão e da euforia em torno dos Jogos. Segundo Peter Perstel, pesquisador de materiais sustentáveis da Universidade de Kingston, o sucesso de medidas para proteger o meio ambiente depende diretamente da mudança de atitude em relação aos bens de consumo. “Os londrinos precisam se conscientizar do valor do que estão jogando no lixo. É preciso mostrar que uma colher, por exemplo, não é apenas um bem de consumo, mas um objeto feito de metal, que tem valor. Sociedades capitalistas e materialistas, como a britânica e a americana, não vêem o valor puro da matéria-prima.”

Para Perstel, Londres também precisa de uma política mais eficiente para os black bins (os sacos pretos usados para o lixo comum). Ele lamenta que a reciclagem na Grã-Bretanha ainda seja um negócio novo. O pesquisador, que nasceu na Áustria, comenta que, em sua terra natal, uma família de cinco pessoas, por exemplo, só tem direito a ter recolhidos 240 litros de lixo geral a cada duas semanas. As regras existem desde 1995. “Esses hábitos precisam ser passados às crianças desde cedo. Para mim, por exemplo, reciclar lixo é como ter de escovar os dentes todos os dias.” Londres promete estar afiada nessa e em outras lições até 2012, para garantir uma cidade olimpicamente verde para os Jogos.