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O livro “Os Exércitos” (Global), do escritor colombiano Evelio Rosero, é uma contundente denúncia dos conflitos sociais vivenciados na Colômbia. O autor parte de uma realidade local para abordar um assunto de alcance universal – ele narra as transformações na vida de moradores da fictícia cidade de San José quando ela é tomada por homens armados. A obra rendeu ao autor o prêmio Independent Foreign Fiction, honraria já concedida a Orhan Pamuk e José Saramago.

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Leia abaixo trecho de "Os Exércitos", de Evelio Rosero

Na esquina da rua, não longe de onde me encontro — minha testa apoiada na porta, as mãos levantadas contra a madeira — aparece outro grupo de soldados. Não são soldados, descubro, inclinando ligeiramente a cara. São sete, ou dez, com uniforme de camuflagem, mas usam botas pantaneiras, são guerrilheiros. Também me viram reclinado na porta e sabem que os vejo. Vêm na minha direção, acho, e então uma descarga da esquina oposta a eles os sacode e prende por completo sua atenção: correm para lá, encolhidos, apontando com seus fuzis, mas o último deles se detém durante um segundo e, durante esse mesmo segundo, se vira para me olhar, como se quisesse me dizer algo ou como se me reconhecesse e começasse a perguntar se eu sou eu, mas não disse uma palavra, não fala, vem falar comigo?, distingo o rosto citrino, jovem, como que entre névoa, os olhos dois carvões em brasa, leva a mão ao cinturão e então me joga, sem força, em curva, algo assim como uma pedra. “Uma granada, Deus”, grito para mim mesmo, “vou morrer?” Ambos vemos em suspense o trajeto da granada, que cai, repica uma vez e rola feito qualquer pedra a três ou quatro metros da minha casa, sem explodir, exatamente entre a porta da casa de Geraldina e a minha, no meio-fio. O rapaz a contempla por um instante, extasiado, e por fim fala, escuto sua voz como um festejo em toda rua: “Ai, que sorte, vovô! Compre um bilhete de loteria”. Penso, ingenuamente, que devo responder alguma coisa, e vou dizer sim, que sorte, não?