Um poema, segundo João Cabral de Melo Neto, é um corpo completo, indivisível, dinâmico. Quando a artista Sandra Cinto se refere a um poema de João Cabral, ela assume seu dinamismo para justamente dividi-lo, desdobrá-lo em planos, sequências, capítulos, espaços segmentados. Distribuída em três salas do Instituto Tomie Ohtake, a exposição “Imitação da Água” parafraseia o título de um poema do autor pernambucano e conta uma história em três tempos.

O ciclo das águas se iniciou no trabalho de Sandra em 2008, na série “Travessia Difícil”, que citava a pintura “A Difícil Jornada”, do pintor romântico Théodore Géricault. Os mesmos elementos estão dispostos aqui: barquinhos de papel que enfrentam desenhos de mares revoltos, chuvas, tempestades. A repetição é um elemento importante dessa história e chama a atenção para os ciclos de crises e enchentes vividos pela sociedade brasileira.

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O desenho que preenche a totalidade da parede redonda da primeira sala é um trabalho para ser visto em movimento e, dessa forma, entrar no embalo das ondas, até chegar à vertigem. Na segunda sala, as águas se intensificam, e começa a chover. Quadro a quadro, a tempestade aumenta, culminando na derrocada de barcos que despencam de uma mesa de escritório. A literatura e o escritor estão subitamente revelados aí, nessa mesa. Nesse momento, dá-se conta de que cada sala funciona como a página de um poema ou o capítulo de um livro.

Na terceira sala, numa espécie de anunciação de final feliz, os elementos são organizados de forma a sugerir que a ordem volta a reinar. Mais um ciclo foi cumprido. Depois de tanto movimento, o público é convidado a descansar em um banco de madeira a contemplar o mar e o horizonte. Nesse epílogo da obra de Sandra, o espectador tem tempo para refletir sobre uma questão rara à arte contemporânea: a narrativa. Mas, absorto na placidez da paisagem que se lhe descortina à frente, não suspeita que seu banco se apoia sobre livros que contam histórias de naufrágios, trombas e ciclones. Outras tempestades se anunciam.