A advogada Laura Poltosi, do Rio de Janeiro, vive um momento especial. Aos 33 anos, ela comemora o sucesso de duas viradas na vida. Primeiro, pôs fim a um casamento que a deprimia. Depois, trocou o rumo de sua carreira profissional. De especialista em separações de casais, tornou-se mediadora de conflitos. Em vez de separar, aprendeu a unir. Mudanças assim tão estruturais – e, no caso de Laura, feitas em pouco mais de dois anos –, em geral, só são possíveis com uma boa ajuda psicológica. Com a advogada não foi diferente. Laura submeteu-se a sessões de Terapia Cognitivo-Comportamental, ou TCC, e credita ao método grande parte da paz que sente hoje.

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Para a secretária Valéria Castellano, 49 anos, sempre foi difícil colocar limites. “Não conseguia dizer não. Tinha medo de magoar as pessoas.” A TCC a auxiliou a modificar o comportamento, que a fazia sofrer. “Minhas dificuldades estavam relacionadas à baixa auto-estima. Estou mais assertiva.”

Assim como ela, milhares de outras pessoas estão usando a técnica para superar dificuldades. A TCC se consolidou como um dos recursos mais empregados para auxiliar os pacientes no enfrentamento das enfermidades. É utilizado contra uma gama ampla de problemas: depressão, fobias, ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dor, anorexia e bulimia, obesidade, fumo e dependência química e síndrome do intestino irritável são apenas algumas de suas indicações.

A terapia tem como premissa a ideia de que ­sentimentos e reações comportamentais são consequência de pensamentos criados sobre determinadas situações. “Um fato rotineiro produz em cada um formas diversas de sentir e de agir”, explica o psicoterapeuta Rubens Caratta, do Instituto de Análise e Modificação de Comportamento. “Mas o fato, por si só, não causa emoções e comportamentos. O que provoca isso é o que pensamos sobre ele.”

Partindo desse pres­suposto, a TCC defende que, na raiz dos transtornos, estão pensamentos equivocados. Coisas como acreditar não ser capaz de falar em público ou de resistir a um doce quando se quer emagrecer. Esses pensamentos, automáticos e quase sempre inconscientes, seriam derivados de crenças incorretas forjadas na infância. E eles passariam a vida pautando e limitando as ações, sem que se dê conta de sua influência. O objetivo, portanto, é impedir que continuem a determinar os comportamentos. Por isso o nome terapia cognitivo (plano do raciocínio) comportamental.

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Às vezes, até o próprio engenheiro Júlio César Calsinski, 42 anos, se surpreende com as transformações na sua vida ocorridas depois que fez a terapia. “Sou muito racional, mas percebi que muitos processos de raciocínio eram calcados em tabus sem fundamento”, conta. Atualmente, livre de qualquer resquício de depressão, entrega-se, inclusive, a animadas aulas de dança com a esposa

As estratégias para quebrar esse ciclo são diversas. O primeiro passo é auxiliar o paciente a identificar quando os pensamentos surgem. Para evitá-los, pode-se usar a tática da distração. “A pessoa pode pensar em outra coisa imediatamente”, explica a psicóloga Mônica Portella, autora do livro “Temas em Terapia Cognitivo-Comportamental, vol. 1”, lançado recentemente.

Outra ação é questionar o quanto há de real no pensamento. Por exemplo: se uma pessoa acha que não cumprirá o prazo de um trabalho pode se perguntar se o risco é mesmo verdadeiro e quantas foram as ocasiões em que não foi eficiente. Certamente concluirá que não há fundamento para o temor. “Uma análise parcial e ilógica da realidade gera sentimentos desproporcionais ou inapropriados para lidar com a situação”, explica a psicoterapeuta Karina Haddad Mussa, da Universidade Federal de São Paulo e da Clínica do Sono. “O questionamento impede que isso aconteça.”

Há ainda o recurso da técnica da exposição. “Expomos o paciente, de forma gradativa e com acompanhamento, a estímulos que desencadeiam crises”, explica a psicóloga Fátima Ferreira, da Associação dos Terapeutas Cognitivo-Comportamentais do Rio de Janeiro. “Queremos fortalecer sua tolerância, aumentando a sua capacidade de enfrentamento da situação”, diz a especialista (leia mais no quadro).

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Foi exatamente essa a mensagem que a personal trainer Heloísa Teixeira, 32 anos, conseguiu introduzir na sua vida após a TCC. Inquieta, ela não se permitia folgas nem aos finais de semana. Até que descobriu que parte dessa maneira de ser era decorrência do desejo de provar a si mesma e aos outros que era capaz. “Vi que não preciso mostrar nada a ninguém”, diz ela, que hoje faz questão de descansar aos sábados e domingos

Vários estudos confirmaram a eficácia da TCC. Um dos mais recentes foi feito no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Durante 12 semanas, 22 mulheres na pós-menopausa e com depressão participaram de sessões. “Depois do tratamento, 71% passaram a apresentar boa qualidade de vida”, disse a psicóloga Leiliane Tamashiro, coordenadora do trabalho.

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Brincar com o filho Gabriel, de 11 meses, é a maior vitória para a carioca Lylian Thomé, 47 anos.
Portadora de fibromialgia (sente dores em todo o corpo), ela aprendeu a não se deixar paralisar pela doença. “Vejo a vida com mais leveza”

Muitas das pesquisas relacionadas à depressão foram feitas por Daniel Strunk, da Ohio State University (EUA). Em uma delas, demonstrou-se que a terapia melhora os sintomas da doença, mesmo em casos graves. “Os deprimidos aumentam a importância das crenças negativas”, disse Strunk à ISTOÉ. “Fazemos com que eles comparem as evidências de que o que pensam é verdade. Quando questionam isso, apresentam menos sintomas negativos.”

Na depressão, há predominância de desejo de isolamento e de falta de disposição para as atividades cotidianas. “Encorajamos os pacientes a conversar com outras pessoas e começar as atividades mesmo sem ter vontade”, contou o pesquisador. O resultado é que eles percebem que são capazes de voltar a tomar o controle de sua vida. Efeito semelhante obtiveram cientistas das universidades de Washington e de Emory (EUA), com pacientes que, respectivamente, sofreram acidente vascular cerebral (avc) ou lutam contra a insuficiência cardíaca. Por causa das doenças, ficaram deprimidos. “Muitos que sofreram o avc e têm dificuldade de andar acham que não caminharão com bengala”, disse à ISTOÉ Pamela Mitchel, uma das coordenadoras do trabalho, em Washington. “Mudamos esse pensamento para “vou aprender a andar com a bengala para passear no jardim, por exemplo.” No caso dos doentes cardíacos, um dos objetivos é estabelecer metas realistas para as atividades do dia a dia. “Eles se adaptam melhor às mudanças e às limitações”, explicou à ISTOÉ Rebecca Gary, da Universidade Emory.

Na Rutgers The State University of New Jersey, os trabalhos concentram-se na avaliação da terapia para ajudar mulheres que sofrem de alcoolismo. “Após 12 sessões, as pacientes se mantêm sem beber por mais de um ano. E outros estudos apontam ­períodos de abstinência de mais de quatro anos”, disse à ISTOÉ Elizabeth Epstein, líder das pesquisas. Uma das ações é encorajar as pacientes a criar redes sociais com pessoas abstêmias. Na Universidade de Pittsburgh, os benefícios estão sendo observados em mulheres fumantes que desejam largar o vício, mas têm medo de engordar. “Procuramos modificar a ideia de que precisam do cigarro para controlar o apetite”, explicou à ISTOÉ Michele Levine, professora da instituição.

Em geral, os benefícios são obtidos a partir de 12 sessões. Mas a média varia de acordo com as condições de cada indivíduo. Os especialistas também advertem que, dependendo do caso, é necessário o uso de medicações.

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