Nascido na Catalunha, região norte da Espanha, o fotógrafo J.R. Duran traz dentro de si o fascínio pela confluência de culturas registrada em seu país, amálgama forjado por cristãos, árabes, judeus e ciganos. Assim, o convite da Embaixada da Espanha para que realizasse um trabalho fotográfico em Sevilha, na Andaluzia, região sul, além de significar mais um desafio profissional, proporcionou-lhe o reencontro com suas raízes. As fotos resultaram em uma exposição que será aberta na quinta-feira 4, no Instituto Cervantes, em São Paulo, e deverá percorrer o Brasil e a Espanha. Na ocasião será lançado o livro Sevilla JR Duran (Editora Gráficos Burti, 125 págs., R$ 120), o quinto do fotógrafo, trazendo 80 fotos tiradas na Feria de Abril deste ano, festa tradicional da cidade realizada logo após a Semana Santa.

A única exigência feita por Duran foi fotografar em preto-e-branco, para evitar a explosão de cores que fatalmente produziria um efeito de cartão-postal. Pois
a festa, que dura seis dias, de terça-feira a domingo, com touradas diárias, tem
como principal atrativo a indumentária de seus participantes. Reunidas em “casetas”, confortáveis barracas, as famílias se vestem com exagerado esmero
e visitam-se, não raro a cavalo ou em luxuosas charretes, umas às outras, saboreando queijos e o jerez, bebida nacional. Nos primeiros três dias, o evento realizado em um grande terreno preparado especialmente para esse fim, atrai
VIPs, celebridades e milionários. A ausência quase completa de turistas – Duran chegou a ser entrevistado por um jornal local, interessado no “estrangeiro” –
só reforça a atmosfera. Para os menos avisados parecem cenas registradas
nos anos 1940 ou 1950.

Sensualidade – Originalmente, a feira servia para o comércio de animais e gradualmente transformou-se em uma fogueira de vaidades, um carnaval sem sexo, nas palavras de Duran, onde grandes negócios continuam sendo discutidos. Mas esbanja sensualidade através dos vestidos colados das mulheres e a elegância dos “señoritos” – gíria equivalente a mauricinho. Astros da televisão e do cinema espanhol misturam-se com empresários e proprietários de terra, a maioria vestida como nostálgicos “bandoleros”, sob o olhar de aristocratas e seus “cocheros”, os condutores das charretes, todos de verdade. A presença de supestars das arenas, toureiros que atendem por nomes exóticos como El Cid e El Fundi ou lendários “rejoneadores” – matadores que toureiam a cavalo –, como Angel Peralta, só aumenta a mística. Como lembra Duran, hoje em dia a tourada é proscrita pelos politicamente corretos, sendo realizada nos finais de semana. Os espetáculos geralmente duram até duas horas e meia e trazem seis touros que são mortos normalmente por três toureiros – seis se forem desconhecidos, um único se for uma estrela como El Cid. Pois as seis touradas da feira têm a lotação esgotada com antecedência, mesmo com o ingresso custando 40 euros.

O fotógrafo, consagrado através de requintadas produções para a moda, sempre focadas em mulheres exuberantes, vai ainda mais longe. Depois de intercalar
fotos jornalísticas de suas visitas a Angola e ao Quênia em seu livro de 2003, Duran achou que estava diante de mais uma reportagem. Para sua surpresa, a realidade sevilhana que retratou, e na qual se aprofundou através de conversas, acabou se revelando mais produzida do que a encomenda. Não é à toa que Sevilha é o berço
do flamenco, da tauromaquia, e de Carmen, celebrizada na ópera de Bizet. Uma
terra cantada pelo poeta João Cabral de Melo Neto. Lágrimas e sangue. Drama
em estado puro.