Estação Bimodal, centro da cidade de Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. É nesse desordenado centro ferroviário que, diariamente, milhares de bolivianos alimentam o sonho de abandonar a miséria, a fome e o desemprego. No afã de deixar o país, tomam de assalto a locomotiva que costura a planície entre a região do Chaco e a Cordilheira dos Andes, rumo à terra prometida: o Brasil. Num movimento que reproduz o triste fluxo de imigrantes brasileiros rumo aos Estados Unidos. Para os bolivianos, a América é aqui e fala português. Nessa desesperada luta migratória, homens, mulheres e crianças chacoalham nos assentos duros e desconfortáveis do Trem da Morte, hoje uma espécie de expresso da esperança. A Esperança de muitos que acabarão por engordar as estatísticas dos chamados indocumentados, explorados pela próspera indústria da moda de São Paulo. Afinal, com a entrada dos produtos chineses no Brasil, ficou difícil produzir roupas tão baratas quanto as importadas. A mão-de-obra boliviana é, então, um excelente negócio para economizar. Enquanto um brasileiro com carteira assinada recebe cerca de R$ 3 por peça costurada, os indocumentados recebem R$ 0,30. O preço para o consumidor final é de R$ 30.

Dezoito horas depois de partir de Santa Cruz, os imigrantes desembarcam em
Porto Quijarro, fronteira boliviana com Corumbá, em Mato Grosso – por onde só
de janeiro para cá, segundo a Polícia Federal, entraram mais de dez mil bolivianos. Apavorados, eles saltam pelas janelas carregando suas tralhas e correm rumo à fronteira. O futuro é São Paulo com suas dezenas de milhares de confecções e
seu radiante mundo da moda. “Quem compra roupas no Brás, no Bom Retiro e
no Pari, regiões centrais da capital, não se dá conta, mas esse universo só existe
por causa da exploração da mão-de-obra boliviana”, afirma o padre Roque Patussi, da Pastoral do Migrante de São Paulo. “São jornadas de trabalho de 14 a 16 horas diárias, com pequenas pausas para almoço e jantar e folgas aos domingos, quando eles deixam as oficinas, local onde também moram”, diz a procuradora regional do trabalho Cristina Brasiliano.

O abuso é tanto que a Câmara Municipal de São Paulo instaurou em abril deste
ano uma CPI para apurar o caso. Como muitos desses bolivianos entram ilegalmente no País, nem os próprios relatores da tal CPI do Trabalho Escravo conhecem as dimensões da exploração. Para o chefe do Ministério de Migração
da Bolívia em Santa Cruz, Hugo Landivar, trabalham no Brasil cerca de 400 mil bolivianos, sendo 200 mil só nas confecções da Grande São Paulo. Já o Consulado da Bolívia afirma que na capital paulista os números não passam de 32 mil, sendo 12 mil portadores do Registro Nacional de Estrangeiros, 600 naturalizados brasileiros e o restante ilegais.


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