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Especial
Bruno Barreto
Diretor do filme Última parada 174, que concorre a uma vaga ao Oscar, o cineasta Bruno Barreto diz que se considera um artista popular e que o governo precisa realizar com urgência a inclusão no setor da cultura

Por Ivan Claudio

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O cineasta carioca Bruno Barreto é um cidadão do mundo. Aos 53 anos, ele passou sete deles em Los Angeles, dez em Nova York e há três mora em São Paulo, cidade que escolheu para viver por se sentir um estrangeiro na sua mistura de imigrantes. Mesmo sendo uma pessoa desenraizada, Barreto sabe que ninguém consegue fugir às origens. Depois de assinar cinco filmes americanos, ele tem perfeita consciência do que faz dele um cineasta brasileiro: a incapacidade de raciocinar em termos maniqueístas, ou seja, dividindo o mundo entre o bem e o mal, como fazem seus colegas hollywoodianos. E cita um exemplo. Quando era casado com a atriz Amy Irving, da qual se divorciou em 2004, ele costumava contar histórias para Max, o filho dela com o cineasta Steven Spielberg. A determinada altura do relato, o menino sempre o interrompia com uma dúvida tipicamente americana. Perguntava: who is the bad guy and who is the good guy? (Quem é o cara mau e quem é o cara bom?). Essa resistência em reduzir a realidade a uma equação simplória revela- se sábia ao se assistir aos filmes de Bruno Barreto. Diante do mais recente deles, Última parada 174, fica-se sem saber quem é o cara mau e quem é o cara bom na trajetória trágica de Sandro do Nascimento, o menino de rua que seqüestrou um ônibus no Rio de Janeiro há oito anos, chamando a atenção de todo o País. Uma dúvida que, com certeza, vai sensibilizar os votantes do Oscar, em janeiro, quando o longa-metragem de Bruno concorrer a uma das cinco vagas ao prêmio de melhor filme em língua estrangeira.

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Foi para realizar Última parada 174, uma das melhores produções brasileiras do ano, que Barreto decidiu voltar a morar no Brasil. "Eu tinha que fazer esse filme de qualquer maneira e o fiz com a liberdade de quem assina o primeiro trabalho. Como era também o produtor, para levantar a grana tinha que passar muito tempo aqui." Ele veio e ficou. Com outra produção em andamento, o drama A arte de perder, centrado na poetisa americana Elizabeth Bishop, ele aposta no bom momento e acredita que hoje o cinema brasileiro não fica nada a dever ao americano ou ao francês: "Temos ótimos profissionais. Fora a área dos efeitos especiais, estamos no mesmo nível de Hollywood. Com a vantagem de que nossas equipes têm mais entusiasmo."

Barreto tem autoridade para fazer esse elogio. Com 35 anos de carreira e 18 longas-metragens no currículo, ele passou por todas as crises da atividade no Brasil – a mais grave, durante o governo Collor, quando foi obrigado a buscar trabalho nos EUA. Participou também do renascimento recente, batizado de Retomada. No reaquecimento da produção, no final dos anos 1990, ele deu uma pausa em sua carreira americana e filmou aqui O que é isso, companheiro?, com o qual concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

 

Para Bruno Barreto, o cinema brasileiro está no mesmo nível do de Hollywood, a não ser na área dos efeitos especiais

i79900.jpgConhece de perto, portanto, esse entusiasmo de que fala. A outra parcela da paixão pela atividade está no sangue: Barreto nasceu numa família cinematográfica, encabeçada pelos pais, os produtores Luiz Carlos e Lucy Barreto, e que tem no irmão Fábio outro herdeiro afim. Como já é gato escaldado em assuntos de premiação e conhece todos os meandros hollywoodianos, mantém-se tranqüilo em sua campanha por um lugar no tapete vermelho. "Última parada será exibido no dia 8 de janeiro na Academia e até essa exibição não há nada a fazer. Dependendo da reação desse comitê de 300 pessoas é que vamos decidir o que tem de ser feito", diz. "Não é um lobby, não se pede às pessoas para votar em você. O que se faz é uma campanha para se dar visibilidade, dizer que o filme existe." Tudo isso Barreto conhece pela experiência. Outra coisa que ele aprendeu nos 17 anos de trabalho nos EUA foi o que chama de método, uma coisa que os brasileiros ainda não adquiriram ao lidar como esse caro negócio de fazer filmes. "Método é respeitar todos os estágios da produção, não pular etapas, porque, quanto mais tempo for deixado para o diretor e os atores, melhor vai ser o resultado. Ainda improvisamos muito."

Trata-se de um raciocínio estranho a um diretor surgido em pleno cinema novo, movimento cultural cujo lema criativo era a frase "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça". Barreto tinha 17 anos ao estrear nos longas com Tati, a garota. Embora a produção seja assinada pelo pai, o dinheiro veio de sua avó. Antes de se lançar à direção, ele teve um professor e tanto, o polêmico Glauber Rocha, autor de Deus e o diabo na terra do sol. "Foi ele quem me levou para ver o meu primeiro filme de John Ford. Ele era amigo de meu pai e morou na nossa casa. O fuzil de Antonio das Mortes (personagem de Deus e o diabo) ficava no seu quarto", lembra ele.

Uma passagem de sua infância cinéfila ainda está viva na memória. Depois da escola, deu uma passada nas filmagens de Terra em transe, que era também produzido por seu pai. Ao acompanhar interessado uma das cenas, gritou o "corta!" antes de Glauber, demonstrando que já estava pronto para comandar outras equipes. Tinha apenas 10 anos.
O talento precoce do jovem cineasta foi detectado pelo "Barretão" logo no primeiro filme. Em vez de Tati, a garota, baseado em Aníbal Machado, Bruno queria filmar uma história que ele mesmo imaginara, uma fusão de um caso policial sobre a prostituta Sandra Parada, filha de um famoso detetive carioca, com outro sobre um matador de motoristas de táxi, conhecido como Assassino da Bandeira 2. "O papai me disse: ‘Filma uma história pronta, é mais fácil.’" Barreto aceitou o conselho, mas não desistiu do projeto: oito anos depois o retomou ao filmar Amor bandido. A essa altura ele já podia fazer qualquer coisa. Era dono da maior bilheteria do cinema brasileiro, o filme Dona Flor e seus dois maridos, que atingiu a marca histórica de 12 milhões de espectadores. E isso na época áurea das telenovelas. Barreto acha que hoje dificilmente um filme conseguiria atrair um público equivalente. "É preciso subsidiar o consumo, criar o vale-cultura com a maior urgência para haver uma inclusão na área cultural." Só assim o público vai voltar aos cinemas, ele acredita. "Quero que as pessoas vejam meus filmes. Me considero um cineasta popular."