O Ministério da Fazenda abriu as portas para o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares viabilizar uma operação bilionária que beneficiou uma penca de bancos públicos e privados. Foi pelas mãos de Delúbio que a Fazenda negociou e pagou uma dívida de R$ 1,4 bilhão, acumulada desde o governo Fernando Henrique Cardoso junto aos bancos responsáveis pela arrecadação de contribuições e pagamento de aposentadorias da Previdência Social. O acordo foi costurado pelo ex-tesoureiro com a Febraban – a poderosa associação que reúne os maiores bancos do País – e posto em prática à revelia do Ministério da Previdência e do INSS. O pagamento foi feito de uma só tacada, em abril deste ano, em forma de títulos públicos federais e, dentro do governo, acabou ganhando o apelido de “Proer do PT”, numa referência ao bilionário programa de socorro aos bancos empreendido por FHC. As bandeiras da esquerda petista, que tremularam contra o socorro aos banqueiros na gestão de Fernando Henrique, não tiveram chance de agir desta vez. O negócio foi feito discretamente.

Sob a justificativa de que a Previdência não tinha dinheiro para pagar a dívida, o negócio bilionário foi transferido para a alçada do Ministério da Fazenda. Mas, nos bastidores, o que se passava era bem diferente. Uma grande briga partidária estava sendo travada. O PT, através de Delúbio, e o PMDB governista, dos poderosos senadores José Sarney (AM) e Renan Calheiros (AL), que tinha o controle do Ministério da Previdência, disputavam a solução do crédito junto aos banqueiros. Delúbio ganhou a parada. O PMDB esperneou, mas não fez alarde. O negócio, que estava antes em discussão dentro do Ministério da Previdência, foi isolado e resolvido na Fazenda. Para viabilizar a legalidade do pagamento pelo Tesouro Nacional e não pelo INSS, como seria a praxe, o governo incluiu no texto de uma medida provisória que tratava de importantes assuntos tributários um artigo sob medida, autorizando a União a assumir dívidas de autarquias (no caso, o INSS), “a exclusivo critério do ministro de Estado da Fazenda”. Com a manobra, o PMDB perdeu a ingerência sobre o assunto.

O curioso é que, embora a
operação envolvesse valores
formidáveis que acabaram
engordando a dívida pública,
não contou com a chancela do superministro titular da pasta,
Antônio Palocci. Quem assinou
a portaria que regulamentou esse
tipo de pagamento e viabilizou a operação foi o então secretário executivo do Ministério, Bernard Appy, na qualidade de ministro interino. Para driblar as resistências do lado da Previdência, também foi um segundo escalão do INSS quem avalizou o valor do débito em R$ 1,4 bilhão. Coube ao atual presidente do órgão, Samir de Castro Hatem, na época substituto, colocar o jamegão no ofício que detalhava e aferia o valor da dívida. Toda a papelada foi assinada às pressas, no dia 31 de dezembro de 2004. A bolada de títulos foi distribuída a 36 instituições financeiras.

A dívida começou a se formar em setembro de 2000, ainda no governo passado, quando o Ministério da Previdência passou a atrasar o pagamento das tarifas bancárias referentes ao serviço de arrecadação das contribuições previdenciárias e o crédito dos benefícios. O pagamento de tarifas em troca dos serviços foi uma criação do próprio tucanato em 1997, quando a inflação caiu. A Febraban, que reúne importantes financiadores de campanhas eleitorais, reclamava com freqüência dos atrasos e aplicou grande pressão sobre o governo Lula no ano passado, chegando a ameaçar com a suspensão dos serviços. O intrigante é que uma questão financeira acabou merecendo uma ginástica legal e a intervenção do ex-tesoureiro do PT. No meio da brigalhada política surgiu uma série de obstáculos técnicos que vinham sendo usados para continuar protelando o pagamento da despesa. Foram produzidos pareceres contrários da Previdência e da Advocacia Geral da União, que não concordavam com os critérios de correção do valor das tarifas atrasadas, previstos no contrato de prestação de serviços fechado pelo governo FHC com os bancos. No INSS, argumentava-se que os bancos ganhavam com a aplicação do dinheiro das aposentadorias enquanto os segurados não iam retirá-lo. Parte dos recursos não é sacada de imediato. Muitos aposentados e pensionistas preferem aguardar alguns dias antes de retirar o dinheiro. Além disso, o número de óbitos é grande, o que adia saques. O INSS dizia que esse ganho deveria ser calculado e abatido do valor da dívida. A área jurídica também não concordava com a cobrança de juros adicionais de 3% ao ano sobre o valor corrigido, fixados no contrato, considerados uma verdadeira aberração. A cobrança extra, junto com outras penalidades, acabou sendo excluída do pagamento da dívida.

O ex-tesoureiro do PT e Marcos Valério desenvolveram uma parceria no mundo financeiro que acabou credenciando o publicitário a buscar negócios dentro do governo. Os empréstimos do Rural para o PT não foram à toa. O banco tinha interesse em concluir um negócio que havia iniciado anos antes, ao comprar uma parte do Banco Mercantil de Pernambuco. O Rural queria ficar com todo o banco, inclusive com a sua parte podre, que, depois da desvalorização cambial de 1999, já não era tão podre assim. As dívidas do Mercantil falido, ainda nas mãos do governo, estavam garantidas por títulos corrigidos pelo dólar, que, com a desvalorização, aumentaram de valor.

Intermediário – O Banco Econômico estava em situação parecida. Marcos Valério, que chegou a ir ao Banco Central para tentar defender os interesses do Rural, tratou de se apresentar ao ex-banqueiro Ângelo Calmon de Sá para intermediar solução semelhante. Por isso, o nome do ex-banqueiro aparece com freqüência na agenda da ex-secretária de Marcos Valério, Fernanda Karina Somaggio, peça-chave nas investigações da CPI dos Correios a respeito do pagamento do mensalão. Mas Marcos Valério já fazia suas investidas no mundo financeiro antes mesmo do governo petista. Também foi com um empréstimo do Rural que o publicitário se aliou ao ex-governador de Minas Gerais e presidente do PSDB, Eduardo Azeredo. Há um detalhe no contrato de empréstimo entre as empresas de Marcos Valério e o Rural que complica muito a vida de Azeredo. Um dos avalistas é o seu ex-secretário de Fazenda João Heraldo Lima, hoje diretor do Banco Rural. Com isso, a digital do tucanato mineiro ficou impressa no negócio.

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