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NOVOS TEMPOS
A banda Coloração Desbotada lançou um
álbum em fita cassete

Pode ser melancolia de passado. Ou fetiche. Ou, ainda, uma cultura de resistência diante de uma sociedade que substitui, muito rapidamente, o novo pelo novíssimo, o moderno pelo ultramoderno. Seja o que for, o resgate de itens tidos como jurássicos deixou de ser cult ou restrito a pequenas tribos e virou mania disseminada. Há quem prefira fazer fotos em máquinas de filmes em vez das digitais, e quem utilize filmadoras Super 8 no lugar de câmeras de alta definição. Muitos dispensam os computadores e continuam na máquina de escrever. Amantes da música voltaram a ouvir discos de vinil, apesar de ter CDs e DVDs, e há até quem grave em fitas cassete. “Nasce uma ‘cultura de resistência’ que resgata mídias que ficaram obsoletas, mas não perderam a sua poesia”, diz o professor Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para a psicóloga Madalena Sapucaia, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), o movimento é um resgate da era tátil em contraponto à virtual: “Estamos perdendo a materialidade das coisas e há pessoas que precisam da relação com o objeto, têm vontade de pegar”, diz ela.

Uma das bandas que adotaram a ideia da fita cassete é a “Coloração Desbotada”, que desponta na cena alternativa do Rio de Janeiro. O grupo relança agora, neste formato, seu álbum concebido há cinco anos. “É charmoso, as pessoas gostam de ter esse objeto”, acredita o líder Lê Almeida, 25 anos. Várias bandas seguem esse caminho e estão apaixonadas pelo artefato que caiu em desuso no início da década de 1990 com o advento do CD. A ideia não nasceu aqui, é uma tendência internacional que teve como precursores estrelas do rock como Pearl Jam e Sonic Youth e foi seguida por vários selos – inclusive o SubPop, gravadora da cultuada banda Nirvana, que depois de 20 anos acaba de voltar a colocar fitas no mercado. No Brasil, a recém-criada Pug Records, instalada em Juiz de Fora, tem catálogo apenas em cassete e MP3 para distribuição no Exterior. “Pensamos nisso pelo valor afetivo, a fita é alvo de fetiche”, diz Eduardo Vasconcelos, um dos donos da Pug.

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“Vivemos nos anos Apple, quando tudo é descartado com uma velocidade impossível de acompanhar”, diz Lemos, da FGV. A artista visual Elisa Pessoa, 33 anos, rejeita essa imposição. Ela faz trabalhos com antigas filmadoras de Super 8 (que usam filmes de 8 milímetros). O processo de revelação é feito nos Estados Unidos, para onde a artista manda o material depois de cada filmagem. Nessas ocasiões, ela revive uma antiga emoção. “Há um suspense, nunca sei se o filme está velado (inutilizado) ou não, só quando mandam de volta”, conta. A filmadora, que se assemelha a uma pistola, permite uma espécie de pré-edição – quando se aperta o gatilho, as cenas são gravadas, e quando se solta, a gravação para. Além disso, Elisa vê outra vantagem no Super 8. “O tipo de colorido é diferente, as cores são mais reforçadas”, elogia.

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ACERVO
Lauro Almeida é dono de uma coleção de cinco mil discos.
Artistas atuais também lançam LPs

Nem todos que usam equipamentos do passado participam de um revival. Há os que, simplesmente, admitem a dificuldade de adaptação aos novos tempos. É assim com o advogado Jorge Vacite Filho, 71 anos. Tantos anos depois do advento do computador, ele continua redigindo suas petições na máquina de escrever IBM, ano 1982. Depois, sua secretária transfere tudo para o PC. Ele lembra, aos risos, o dia em que sua neta de 12 anos viu a máquina e perguntou: “Vô, que tipo de computador é esse?” Não foi fácil fazê-la entender quanto ele gostava daquele antepassado dos PCs e laptops.

REAL
“Estamos perdendo a materialidade das coisas e há pessoas que
precisam da relação com o objeto”,

diz a professora Madalena Sapucaia

O revival mais festejado dos últimos tempos, porém, é o dos discos de vinil, que contam com cantores e músicos profissionais para fazer ode à qualidade de som das antigas bolachas. A procura é tanta que, em São Paulo, a Livraria Cultura voltou a ter gôndolas para exibir seu diversificado catálogo de vinis, do qual constam lançamentos recentes, como o álbum “Back to Black”, de Amy Winehouse, ou os últimos trabalhos de artistas nacionais como Pitty, Nação Zumbi e Fernanda Takai. Para curtir as bolachas é necessário, claro, comprar, de novo, um toca-discos. Foi o que fez o bancário carioca Lauro André Almeida, 34 anos, dono de uma coleção de quase cinco mil LPs, todos em ótimo estado de conservação. “É um prazer mágico tocar algo que foi criado antes mesmo de eu existir”, define Almeida, fã da tradicional loja Modern Sound, em Copacabana, no Rio de Janeiro, que dispõe de um acervo de 30 mil LPs. Coerente com seu fetiche, Almeida não compra pela internet, uma vez que prefere examinar cada peça antes de fechar negócio. Mais volta ao passado, impossível.

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À MODA ANTIGA
Jorge Vacite nunca se adaptou ao computador e
até hoje redige petições na sua IBM