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Exclusivo: José Serra fala sobre dossiês e troca de acusações durante campanha

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Ex-governador comenta detalhes de sua relação com os netos e relativiza a exposição de sua vida pessoal na campanha

 

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JOSÉ SERRA
A equipe que entrevistou o candidato do PSDB, da esquerda para a direita: Carlos José Marques, diretor editorial; Luiz Fernando Sá, diretor editorial-adjunto; Ricardo Amorim, colunista de ISTOÉ; Delmo Moreira, editor executivo de ISTOÉ; Amauri Segalla, editor da revista Dinheiro, Octávio Costa, diretor da sucursal de Brasília; Hélio Gomes, editor executivo de ISTOÉ ON LINE ; Gisele Vitória, diretora de redação da revista GENTE; Leonardo Attuch, redator-chefe da revista DINHEIRO ; Mário Simas Filho, diretor de redação de ISTOÉ; e Caco Alzugaray, presidente executivo da Editora Três

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“A ordem já está garantida, agora falta ver o progresso.” Este comentário do candidato do PSDB, José Serra, feito ao final da longa entrevista que ele concedeu à ISTOÉ na segunda-feira 14, não se dirigia ao mundo da política. Serra, palmeirense da Mooca, falava sobre a contratação do treinador Luiz Felipe Scolari por seu clube do coração. Ele se diz grato a Felipão. Lembra que no passado, quando era ministro da Saúde e o treinador cumpria sua primeira temporada no Palmeiras, agiu como implacável corneteiro após uma derrota: “Na saída do estádio, eu disse numa rádio que tínhamos perdido porque o técnico não entendia nada de futebol.” No dia seguinte, Felipão afirmou que se sentia autorizado a palpitar sobre a saúde, mas não levou a pendenga adiante. “Ele foi condescendente comigo”, lembra Serra. “Depois que ganhou a Copa, não voltou ao assunto, como poderia ter feito.”

Fazendo uma analogia com o futebol, na política também tem muito “técnico” dando palpite. Alguns apontam que o candidato tucano levou um tranco pesado, dado o avanço da candidata Dilma Rousseff, que arrancou um empate com ele ainda no primeiro tempo dessa peleja eleitoral. Serra, um candidato cheio de táticas, com experiência de quase 50 anos no campo político, sabe que ainda há muito jogo pela frente, e nesta entrevista a editores de ISTOÉ se apresentou com a tranquilidade dos artilheiros. Convencido de que ainda não mostrou toda a sua cancha para a disputa, sugeriu vários dribles para a retranca econômica do câmbio, dos juros e das diferenças entre o BC e a Fazenda. A seguir, publicamos os principais trechos desta entrevista:

ISTOÉ – A economia acaba de registrar um crescimento de 9% no trimestre, a taxa de desemprego tem baixa recorde e 35 milhões de brasileiros foram incorporados à classe média. Sua campanha prega que o Brasil “pode mais”. Em que campos aconteceriam estes avanços?
Serra – Bom, manter uma taxa de crescimento elevada já significa poder mais. Crescimento sustentado ao longo dos anos sempre é objetivo ambicioso, difícil de ser alcançado. Para se obter isto é preciso enfrentar os problemas que vêm por diante, que são basicamente a insuficiência de investimentos na infraestrutura e a área do comércio exterior. Nós estamos com uma evolução negativa nas contas externas, com muitos problemas pelo lado da produção. Há pouco dinamismo das exportações, comparadas às importações, e temos que agir. É necessário ter uma outra política de comércio exterior, muito mais agressiva.

ISTOÉ – O que falta na política externa brasileira?
Serra – Falta maior agressividade econômica. Nossa capacidade de negociação, de abertura de mercados, foi utilizada justamente em áreas que não rendem muito.Temos uma negociação comercial tímida. Precisamos de uma política mais agressiva também pelo lado da defesa comercial, reagindo a práticas ilegais.O Brasil adotou uma abertura comercial na época do Collor no estilo cavalaria antiga: rápida e malfeita. Se descuidou da alfândega e desses mecanismos de proteção nos quais os Estados Unidos são os melhores do mundo.

ISTOÉ – O governo Fernando Henrique não teve tempo de corrigir esta abertura equivocada?
Serra – Tentou, mas não conseguiu. E o governo Lula também tentou e não conseguiu.

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ISTOÉ – O sr. não teme ser tachado de protecionista?
Serra – Não. Este seria um julgamento ignorante, pois protecionismo é diferente de defesa comercial contra práticas criminosas.

ISTOÉ – Como se deveria agir?
Serra – Tanto o governo Fernando Henrique quanto este têm uma dificuldade: a falta de centralização da área de comércio exterior. Todo país campeão em comércio internacional tem uma coordenação centralizada e coerente nesta área.

ISTOÉ – O sr. fala em falta de investimentos em infraestrutura. O que privatizaria nesta área?
Serra – Privatizar, nada. Defendo concessões, que são um instrumento crucial para aumentar a taxa de investimento em cima de bens públicos. É diferente de privatizar: você cobra aluguel pela concessão e pode até acabar com ela.

ISTOÉ – O sr. acha que as privatizações do governo Fernando Henrique foram benfeitas?
Serra – Algumas foram. A própria Dilma disse aqui na Istoé que a privatização na área das telecomunicações foi muito positiva. Já com o transporte ferroviário, não é que a privatização não foi benfeita. O setor é difícil e mesmo que continuasse estatal não teria andado.

ISTOÉ – O sr. também tem falado em mudanças no câmbio e nos juros. O que aconteceria em seu governo?
Serra – Há uma combinação ruim de câmbio e juros. O Brasil é o país cuja moeda mais se valorizou no mundo, sem que a conta comercial externa estivesse melhorando. Você pode ter muito ingresso de capital, mas é dinheiro que só vem enquanto o juro estiver alto. Não é um investimento sólido. Nós estamos batendo alguns recordes: temos, disparado, a maior taxa de juros do mundo…

ISTOÉ – Mas há muito tempo, não?
Serra – Não estou dizendo que é neste governo. Olhando para a frente, temos a maior taxa de juros do mundo e a maior carga tributária dos países emergentes. Isto é dado do Fundo Monetário, não invenção maquiavélica de oposição. Nossa taxa de investimento governamental é a penúltima do mundo.

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ISTOÉ – No atual governo, o Ministério da Fazenda e o Banco Central têm praticamente o mesmo nível. Como seria no seu governo?
Serra – No meu governo serão instituições absolutamente entrosadas. O ministro da Fazenda, o ministro do Planejamento, o presidente do Banco Central e o secretário do Tesouro vão estar todos afinados. Eu não sou de botar contrapesos. No meu governo não terá um que pensa de uma maneira e outro que pensa de outra maneira. Tem que trabalhar junto.

ISTOÉ – O presidente do Banco Central será subordinado ao ministro da Fazenda?
Serra – Como foi sempre. É o presidente que escolhe. Mas não será alguém que o ministro da Fazenda não queira. Ele vai ter que dar o aval. Na verdade, o presidente do Banco Central só ganhou status de ministro para evitar um processo contra o Meirelles. Lembram? Não foi nenhuma doutrina econômica. Veja, o Fernando Henrique trocou duas vezes o presidente do Banco Central, sem problemas.

ISTOÉ – Como o sr. acha que se deve conduzir a relação entre juros e câmbio?
Serra – É muito difícil, tem que ser levado com muita maestria. Agora, num período de aceleração da inflação, segundo o Banco Central, não é momento de se fazer isto. Já no auge da crise, no final de 2008, certamente era. O Brasil foi o único país do planeta que não baixou os juros. Sem ameaça de inflação, com deflação, esta conjuntura não foi aproveitada. Nove entre dez personalidades do mercado financeiro, em conversas não públicas, diziam que era hora de ter feito isto. Esta coisa de inflação versus estabilidade, em que o monetarista procura estabilidade e o estruturalista prefere a inflação à estabilidade, é tudo bobagem. Nenhum estruturalista jamais disse isto.

PARTE 2