O corpo demasiadamente magro, o andar vacilante e a voz fraca indicam uma falsa fragilidade. A viúva Raimunda Gonçalves dos Santos acorda diariamente às seis horas para preparar os salgadinhos que vende pelas ruas de Manaus (AM).

Untitled-1.jpg

NOVOS TEMPOS O igarapé Mestre Chico e a ponte 7 de Setembro em 2005 e hoje, depois da urbanização.
Alunos do interior têm aula via satélite

Ela teve 14 filhos, presenciou o óbito de metade deles e não sabe dizer o número exato de netos. Com 71 anos de idade, Raimunda é uma sobrevivente. Durante seis décadas ela morou em uma palafita de madeira com dois andares construída sobre as poluídas águas do igarapé Manaus, na região central da capital amazonense. Raimunda lembra que durante 60 anos dividiu os cômodos da casa com ratos e baratas que insistiam em subir pelas paredes e que nos dias de chuva ficava impedida de sair do barraco. "Achei que aquele era meu destino. Mas agora as coisas estão muito melhores", comemora, abrindo os braços em direção a uma apertada casa de alvenaria com 35 metros quadrados.

"Tenho uma casa de verdade. Moro com três netas e um filho que não precisam mais de médico toda semana e consigo dormir a noite inteira, mesmo quando está chovendo", diz.

Outras 256 famílias que viviam "mergulhadas" no mesmo igarapé receberam novas casas há cerca de um ano. Enquanto as obras estavam em andamento, o governo do Estado destinou uma quantia mensal para que pagassem um aluguel temporário.

Além do conjunto habitacional, a área do igarapé recebeu saneamento básico e foi urbanizada, inclusive com parques, quadras esportivas e outros equipamentos de lazer. No igarapé da Sapolândia, onde 1.059 famílias ocupavam palafitas, não foi possível construir um conjunto habitacional.

i98990.jpg

Mesmo assim, Jovenília da Conceição Silva, 63 anos, deixou o barraco onde viveu por 25 anos para morar em um sobrado de alvenaria, com cerca de 70 metros quadrados. "Ela poderia escolher uma casa ou apartamento de algum conjunto habitacional, mas optou por receber R$ 21 mil para comprar a casa que quisesse", diz Sidney de Paula, da Superintendência de Habitação do Amazonas. Ele explica que, caso o dono de uma palafita não queira se transferir para os conjuntos habitacionais, o Estado disponibiliza um auxílio moradia variável de acordo com o valor do barraco. "O dinheiro fica depositado em uma conta e só pode ser usado para a compra de imóvel", completa Sidney de Paula. Jovenília encontrou uma casa a cerca de 800 metros do igarapé. "Minha vida é outra. Não tenho mais doenças de pele, não preciso rezar cada vez que começa a chover e não precisei mudar de bairro", afirma.

As histórias de Jovenília e Raimunda são comuns entre as 11.594 famílias já beneficiadas pelo Prosamim (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus). Ainda é pouco.

Na capital amazonense, os igarapés estão por toda parte e mais de 80 mil famílias vivem em palafitas. "Estamos enfrentando e resolvendo problemas que se acumulam há décadas e executando o maior programa habitacional da história do Amazonas", diz o governador Eduardo Braga (PMDB).

Untitled-2.jpg

SEM RATOS A palafita onde Jovenília viveu 25 anos (acima) e sua nova casa

Para viabilizar o programa, o governo do Estado mantém sólidas parcerias com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que já disponibizou US $ 294 milhões e pode aumentar o volume de recursos. "O Prosamim é a prova de que os sonhos podem ser concretizados. Trata-se de uma revolução urbana capaz de apresentar resultados em poucos anos", elogia o presidente do banco, Luiz Alberto Moreno.

Segundo o secretário de Planejamento, Denis Minev, os investimentos feitos no Prosamim também refletem diretamente em outras áreas do governo. O secretário-executivo de Saúde, Tancredo Castro Soares, sustenta que casos de leptospirose, cólera,hepatite tipo A e outras doenças transmitidas pela água apresentarão incidência cada vez menor, reduzindo os gastos do Estado. "Esse é um dado muito importante em um Estado onde a saúde está concentrada no governo", avalia Soares.

No Amazonas, outro programa inovador tem chamado a atenção dentro e fora do Brasil. Trata-se de um projeto de educação a distância, finalista do prêmio Impact Learning, na Espanha. O Estado, com aproximadamente quatro milhões de habitantes, possui 62 municípios. Apenas quatro são acessíveis por estradas de rodagem. Nos demais, o barco é o meio de transporte mais comum e há casos em que para se deslocar à capital ou mesmo a cidades vizinhas gastam-se dias de viagem pelos sinuosos rios que cortam a floresta.

Nessas cidades há comunidades em que existem menos de mil crianças e adolescentes em idade escolar. No caso do ensino médio, há classes com menos de 12 alunos. Como então deslocar professores capacitados para essas regiões? "Recorremos à tecnologia e implantamos um exclusivo sistema de ensino a distância via satélite. As aulas são ministradas ao vivo e com interação integral entre os professores e os alunos em tempo real", responde o secretário de Educação, Gedeão Amorim.

Em 2007 essas aulas chegaram simultaneamente a 260 salas, espalhadas por 42 municípios. No ano passado, o número de salas aumentou para 740, abrangendo mais 50 municípios. Em cada sala fica um professor da região.

Ele fez curso de aprimoramento e faz o papel de orientador da turma. Organiza os alunos, verifica a presença e corrige as provas. Nos estúdios, em Manaus, dois professores para cada disciplina ministram as aulas que são transmitidas em televisores de 42 polegadas. "Falo para milhares de alunos ao mesmo tempo e tenho todos os recursos multimídia para ensinar", afirma Ana Frazão, que há dez anos leciona química para o ensino médio. "É impressionante verificar como os alunos se concentram", completa Darlinda Dias Monteiro, também professora de química.

Na quinta-feira 26, Ana e Darlinda usaram uma churrasqueira, assando um peixe da região, para explicar as reações químicas da combustão. Na Escola Agrícola Rainha dos Apóstolos, a cerca de uma hora de Manaus, a aluna Suzana Queiroz ficou com uma dúvida. Fez a pergunta online e, imediatamente, a professora Darlinda lhe respondeu usando uma animação eletrônica para ilustrar a reação química. "Assim é muito mais fácil aprender", afirmou a estudante.

Antes de o projeto chegar às escolas, 25 mil professores fizeram cursos de capacitação. "Com os professores bem formados e bem remunerados, temos conseguido melhorar significativamente a educação no Estado", afirma o governador Eduardo Braga. Em 2003, o piso salarial para um professor no Amazonas era de R$ 450 para 20 horas semanais. Hoje, o piso é de R$ 1.066. Em 2005, o ensino fundamental ocupava a 24ª colocação no ranking nacional do IDEB. Em 2007 saltou para a 18ª colocação. No ensino médio, o Amazonas saiu do 27º lugar para o 22º. "Os números estão longe de ser o que queremos, mas indicam que estamos construindo uma ponte para o futuro", conclui o governador.

i98993.jpg

"Estamos enfrentando e resolvendo problemas que se acumulam há décadas" Eduardo Braga (PMDB), governador do Amazonas