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BATEBOCA Atritos entre Gilmar e Lula são cada vez mais frequentes

No clássico Do espírito das leis, Montesquieu ensinou que um dos pilares da democracia é a harmonia entre os Poderes da República. O preceito do barão francês data de 1748 e tem aplicação universal. Mas no Brasil, hoje, o espírito que prevalece é outro. Executivo, Legislativo e Judiciário vivem se engalfinhando. E o principal exemplo de desarmonia são os frequentes batebocas entre o presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, órgão máximo do Judiciário. Na Quarta-Feira-de-Cinzas, Gilmar voltou a exibir sua língua afiada, ao cobrar providências contra as ONGs que apoiam as ações do MST.

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Para ele, "o financiamento público de movimentos que cometem ilícitos é ilegal e ilegítimo". Alvo da crítica, o Executivo reagiu de pronto. Na opinião do presidente Lula, Gilmar falou "como cidadão – e não como presidente da instância máxima do Poder Judiciário". Gilmar ressaltou que falou "como chefe do Judiciário que tem responsabilidades políticas e institucionais inerentes ao cargo". E assim a discórdia entre os Poderes voltou a se instalar. Na verdade, o presidente Lula e o ministro Gilmar estranham-se há muito tempo. Quando o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, foi absolvido pela morte da missionária Dorothy Stang em maio de 2008, Lula disse que a decisão do Tribunal do Júri de Belém "manchava a imagem do Brasil no Exterior". Gilmar rebateu:

"Temos de parar com esse tipo de consideração. Alguém acha que a imagem da Inglaterra ficou manchada no mundo por conta do episódio Jean Charles?". Em julho, Gilmar criticou a "espetacularização" das prisões efetuadas pela PF e, em agosto, alvo de grampo na Operação Satiagraha, denunciou que "o País vivia um quadro preocupante de crise institucional pelo total descontrole estatal no uso de grampos". Em tom desafiador, advertiu que "nesse caso, o próprio presidente da República é chamado às falas, ele precisa tomar providências".

Na ocasião, Lula convocou Gilmar para uma audiência fechada no Palácio do Planalto. E tornou público seu desconforto ao abrir mão de discursar durante a posse do novo presidente do STJ, Cesar Asfor Rocha.

Nos gabinetes do STF, há quem não veja nada demais nos atritos com o Planalto. Acredita-se que, como presidente do STF, Gilmar tem pleno direito de opinar sobre as questões nacionais. Já no Planalto, comenta-se que Gilmar está passando dos limites, pois não deveria falar sobre temas que vão a julgamento.

Deveria se ater aos autos dos processos. Para o constitucionalista Célio Borja, que foi ministro do STF, os embates entre Lula e Gilmar são normais: "Eles têm direito às suas opiniões. Cada um se comporta dentro de suas competências." Vice-presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB, o jurista Aristóteles Atheniense concorda com Borja, porém alerta que o debate deve ficar restrito aos temas constitucionais: "Não deve acontecer em relação a questões minúsculas. E o ideal seria que essas divergências não se repetissem com muita frequência."