Diz a lenda que o futebol teria nascido na Antiguidade, quando povos como os chineses praticavam um jogo, na verdade um treino militar, usando crânios de inimigos como bola. Das bolas de crânios até a jabulani, muita história se deu. Organizado em regras e formato pelos ingleses a partir do século XIX, tornou-se o esporte mais popular do planeta, desde o início do século passado, quando o paulistano do Brás Charles Miller, de pai inglês e mãe brasileira, voltou ao Brasil, depois de temporada na Inglaterra, com uma bola debaixo do braço e o sonho de popularizar o futebol em terras caboclas.

O Brasil mestiço logo se mostrou um palco inato para o florescimento de grandes talentos, embora só tenha conquistado seu primeiro título mundial na 6a edição da Copa, em 1958, oito anos depois do fiasco nacional eternizado como “Maracanazo”, qual seja, a perda do título em pleno Maracanã – especialmente construído por ocasião da Copa de 50 – para o Uruguai, por 2 a 1, num jogo de contornos dramáticos, que estigmatizou para sempre os atletas brasileiros, especialmente o goleiro Barbosa, que, dizem, foi um monumental guarda-meta, mas que, após o vexame da derrota, se arrastaria como um morto-vivo condenado pela opinião pública até morrer de fato em 2000, aos 78 anos – uma história brasileira das mais tristes.

De 58 até hoje, o Brasil ganhou outras quatro Copas, perpetuou a alcunha de “país do futebol” e alternou momentos de excelência e beleza como as Seleções de 70 e 82 com conquistas mornas como as de 94 e 2002, e contabilizou francos desastres, como os casos de 66 e 90. Quando este texto for a público, o Brasil já terá estreado na Copa da África do Sul contra a Coreia do Norte, estará às vésperas de enfrentar a Costa do Marfim, e eu, em que pesem todas as minhas críticas e restrições, estarei torcendo, entusiasmadamente como qualquer torcedor, pela “Seleção Canarinho”. Não por “patriotismo”, bandeira levantada pelo técnico Dunga na falta de argumentos mais convincentes para arrebanhar a simpatia do torcedor brasileiro, mas por amor a este projeto errático de nação, ao seu futebol e à alma brasileira, e aqui cada um entenda como quiser – e puder (houvesse bom-senso, patriotismo deveria ser palavra banida do vocabulário de um país que amargou 20 anos de tenebrosa ditadura, mantida sob manobras militares de verniz “patriótico”).

Embora também torça pelo belo espetáculo, esta talvez se consagre como a Copa mais competitiva de todas, no pior sentido do termo. Em plena “era da performance”, a máxima que deve prevalecer é “vencer ou vencer”. Afinal, já vimos na tevê e nos discursos, este é um torneio para “guerreiros”. Vale lembrar, no entanto, já que estatísticas e números no futebol estão em moda, que Pelé, Zico, Maradona, Romário e Reinaldo, alguns dos maiores jogadores de todos os tempos, tinham menos de 1,74 m. Robinho, uma das grandes promessas desta Copa, tem 1, 72 m e menos de 70 quilos. O argentino candidato a craque da competição Lionel Messi tem mísero 1,69 m e também não chega aos 70 quilos (ou seja, nenhum deles seria escalado para o papel de gladiador no cinema).

Quando o Brasil entrar em campo, estarei torcendo, com paixão, mas também com senso crítico, pela nossa Seleção. Mas sobretudo estarei torcendo pela beleza, pela graça e pela poesia que sempre me atraíram no futebol. Estarei torcendo pelo Brasil, mas também pelos times africanos, pelos hermanos sul-americanos (apesar da rivalidade divertida e folclórica) e pelas seleções da Holanda e de Portugal, pelas quais nutro grande simpatia desde sempre. Eu e quase duas centenas de milhões de brasileiros, ávidos de conquistas, mas também de encantamento.

Pois o futebol – assim como talvez só a arte, e quiçá o amor – pode nos redimir de todas as nossas misérias.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias