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ADAPTAÇÃO
Os ictiossauros assemelhavam-se aos atuais golfinhos e controlavam
a temperatura do corpo: vantagem na luta pela vida

Quando os dinossauros vagavam pela Terra no período mesozoico, entre 251 e 65 milhões de anos atrás, os mares também eram dominados por imensos répteis. Três linhagens desses animais marinhos (plesiossauros, ictiossauros e mosassauros) eram especialmente bem-sucedidas. Em alguns aspectos, eles eram muito parecidos com os mamíferos que vivem no mar atualmente, como baleias e focas. A semelhança se dava inclusive na alimentação, baseada em peixes, moluscos e alguns vertebrados. Os ictiossauros tinham o corpo muito similar ao dos golfinhos, enquanto os plesiossauros lembravam vagamente os leões-marinhos. E uma nova pesquisa revela que as semelhanças não param por aí.

Um estudo publicado pela revista especializada “Science” afirma que alguns desses répteis ancestrais podem ter sido capazes de manter a temperatura do sangue constante – fenômeno fisiológico conhecido como homeotermia. Hoje, enquanto a maioria dos répteis tem sangue frio, alguns dos maiores predadores do oceano – atum e peixe-espada, por exemplo – são homeotérmicos, ou seja, mantêm alta temperatura corporal.

Para se ter uma ideia da diferença entre um e outro, basta lembrar das lagartixas. Como dependem da temperatura externa para regular a sua própria, elas precisam procurar alguma sombra se o calor está muito forte para não esquentar até morrer. Por outro lado, têm de tomar sol para que o corpo não se resfrie totalmente. Outros animais, como os humanos e o atum, conseguem regular a temperatura corporal – o que faz com que sobrevivam com mais tranquilidade mesmo sob diferentes temperaturas externas.

Estudos anteriores já haviam levantado a hipótese. Mas, desta vez, uma equipe de cientistas liderada pelo francês Aurélien Bernard chegou à conclusão de forma precisa. Eles compararam os níveis de isótopos de oxigênio de dentes desses répteis com os de peixes que viveram no mesmo local. A composição dessas partes reflete a do sangue e, consequentemente, a temperatura corporal. Levando em conta que peixes e répteis viveram na mesma massa de água, disparidades nessas composições podem revelar diferenças de calor entre seus corpos.

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PREDADOR
Animais como o plesiossauro dominaram os mares no período jurássico

Os resultados das análises sugerem que ictiossauros e plesiossauros provavelmente controlavam a sua própria temperatura corporal. Os dados dos mosassauros são menos precisos, mas batem com a ideia de que esses répteis tinham certo controle sobre a própria temperatura. “Esses animais podiam se alimentar e se reproduzir independentemente de a água estar mais quente ou mais fria”, explica Alexander Kellner, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ). Essa vantagem fisiológica explica a descoberta de ossos de plesiossauros na Antártica realizada pelo paleontólogo e sua equipe em 2007. O estudo deve ser publicado no início do ano que vem. “Essa nova pesquisa só reforça as descobertas que fizemos”, diz Kellner.

Graças ao controle da temperatura corporal, plesiossauros e ictiossauros eram grandes nadadores e podiam percorrer longas distâncias para perseguir suas presas. Já os mosassauros, que só podiam aquecer o próprio sangue em alguns graus – como as atuais tartarugas-de-couro –, eram velocistas: pegavam suas presas em emboscadas. Comparados a corredores profissionais, é como se plesiossauros e ictiossauros fossem maratonistas, enquanto mosassauros eram atletas dos 100 metros rasos.

As conclusões dos pesquisadores europeus se aplicam apenas aos répteis marinhos do período jurássico e do cretáceo, que viveram entre 200 milhões e 65 milhões de anos atrás. Seus ancestrais, supõe-se, dependiam totalmente da temperatura externa para controlar a sua própria, assim como as lagartixas de hoje em dia. A adaptação deve ter ocorrido no triássico superior (entre 230 e 200 milhões de anos atrás), quando seus antecessores passaram a viver na água. Já a evolução do ictiossauro para um ser com o corpo parecido com o de um peixe-espada está relacionada à decadência dos habitats costeiros em períodos mais recentes. Muitos animais costeiros perderam seu lugar de origem, mas o réptil com corpo de peixe prosperou.

Se a homeotermia realmente estiver relacionada à habilidade de nadar por longas distâncias, essa é uma oportunidade para os cientistas estudarem melhor os efeitos do ambiente na evolução das espécies. “O estudo pode ajudar a esclarecer certos fatores ambientais”, afirmou Ryosuke Motani, do departamento de geologia da Universidade da Califórnia, na revista “Science”. No exato momento em que vivemos uma mudança da temperatura ambiente por conta do aquecimento global, os senhores marinhos de milhões de anos atrás talvez possam nos indicar o que fazer para nos livrarmos da extinção.

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