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“Não fez lição de casa, respondeu mal ou virou
o olho, vai ter uma sanção logo em seguida”

Liliane Neves Gomes, mãe de Lorenzo (à dir.) e Bruno

"Não mexe aí que a mamãe fica triste”, “Se não fizer a lição, vai ficar sem sobremesa”, “Você não vai poder ir ao futebol enquanto não recuperar suas notas”. Jogue a primeira pedra quem nunca usou uma dessas frases com o filho. Essas sentenças, tão presentes no cotidiano familiar, têm embutidas várias crenças de como educar crianças e adolescentes. Mapeá-las foi a tarefa a que se propôs uma alentada pesquisa realizada no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), que entrevistou 860 pais de garotos de 12 a 20 anos, estudantes de escolas públicas e privadas de todo o Brasil. O objetivo era compreender como esses pais pensam e o que eles colocam em prática na criação dos filhos. A conclusão é de que o discurso é muito bem-acabado, pautado no ensino do respeito mútuo, da importância do diálogo, de se arcar com as consequências dos atos. Mas toda essa teoria bem-intencionada cai em contradição no dia a dia das desobediências, das malcriações e dos gritos.

O levantamento, liderado pela pedagoga Luciana Maria Caetano, que também é professora da Universidade São Francisco (USF), comprovou que o dito popular “faça o que eu digo e não o que eu faço” é utilizado, involuntariamente, pela maioria dos pais. De acordo com a pesquisa, 93,7% deles creem que devam ajudar os filhos a refletir sobre suas ações, em vez de lhes dar ordens. Mas 64,7% também acreditam que uma boa ameaça acaba com uma desobediência (leia outros exemplos no quadro). Para Luciana, contra­dições como essas são fruto do atual momento de transição do modelo educacional. “Não queremos educar nossos filhos como fomos educados pelos nossos pais”, afirma. “Existe uma tendência de fugir do autoritarismo de décadas atrás, mas há também uma dificuldade para encontrar novas referências.” Isso não quer dizer que os pais estejam educando pior seus filhos. “Pais sempre erraram e acertaram”, diz a pesquisadora.

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“Precisei ter três filhos para aprender a ensinar autonomia”
Ana Cláudia Carnesin Dias, mãe de Bruno (à esq.) e Marcelo

Essa questão faz parte da rotina de Liliane Neves Gomes, 41 anos, coordenadora de educação em uma escola em São Paulo e mãe de Lorenzo, 14 anos, Luísa, 13, e Bruno, 6. “Com meus pais, a gente sempre teve diálogo aberto, mas tinha rigidez e respeito”, conta. “Aqui em casa negociamos mais.” Liliane é adepta da conversa, mas faz uso do castigo quando ela falha. “Não fez lição de casa, respondeu mal ou virou o olho, vai ter uma sanção logo em seguida”, afirma. Esse é um ponto fundamental, de acordo com o trabalho da USP. Embora queiram que seus filhos entendam as consequências de suas atitudes, muitas vezes os pais aplicam um castigo imediato para encerrar um problema. “Esse tipo de atitude resolve o conflito momentaneamente, mas não é favorável à formação da criança. Formar alguém não é de um dia para o outro”, diz a pesquisadora.

Outro ponto que a pesquisa analisou é como os pais estimulam o desenvolvimento da autonomia de seus rebentos – 62,3% acreditam que devem tomar decisões pelos filhos e 67,5% acham que nem sempre devem ouvi-los. Foi só com a prática que a administradora Ana Cláudia Carnesin Dias, 47 anos, aprendeu a estimular a independência dos seus. “Eu os prejudiquei um pouco”, confessa. “Mas só tentava ajudá-los, ver o que precisavam.” Mãe de Marcelo, 15 anos, Bruno, 19, e Rafael, 21, ela afirma que tenta usar o diálogo e levar em conta as particularidades de cada um. “Precisei ter três filhos para aprender a ensinar autonomia.” A psicóloga Luciana Blumenthal, da Clínica Multidisciplinar Elipse, recomenda paciência e determinação nessa área. “Muitos pais cedem no primeiro momento em que o filho pede ajuda. Equivale a dizer que ele não está pronto para resolver seus problemas.”

A pedagoga Luciana chama a atenção para o fato de as contradições não estarem desligadas da vontade de acertar. Afinal, é difícil para os pais se desapegar da educação que receberam e, mais complicado ainda, encontrar uma nova forma de educar seus filhos. Mas vale a pena assumir as limitações para tornar a relação mais forte e sincera. Crianças e adolescentes, garantem os especialistas, têm uma facilidade de se adaptar, de melhorar e de se resolver enorme. É só aprender com eles.

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