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Alguns anos antes de seu centésimo aniversário, Oscar Niemeyer, num gesto de paciência e generosidade imensas, aceitou nos receber para uma entrevista em seu famoso escritório de Copacabana.

Comigo, o também arquiteto Rafic Farah observava com atenção máxima o semblante, as mãos e especialmente as palavras de um dos homens mais interessantes que o mundo já abrigou. Como sempre acontece nesses momentos especiais, nosso cérebro trata de escolher alguns momentos, gravando-os no disco rígido para que durem mais. Difícil esquecer uma frase dita pelo velho mestre, diante de uma de nossas perguntas que tentavam entender o pensamento por trás de sua monumental obra: “Arquitetura não interessa. O que interessa é gente.”

Seu colega de profissão e designer de móveis Carlos Motta, visto nesta foto a bordo de uma de suas pranchas vermelhas, preparou uma exposição, um livro e um DVD que poderiam ser resumidos no mais claro entendimento do que disse Niemeyer do alto de seu um século de observação atenta da humanidade.

Desde moleque, entendendo que a conexão entre os diferentes saberes é o que produz o original, que a interdependência é algo inexorável, intuitivamente preocupado com aquilo que ocupa hoje os manuais modernos de gestão e de sustentabilidade, percebendo que recursos aparentemente inesgotáveis poderiam, sim, se esgotar, Motta foi fazendo suas escolhas pessoais e profissionais de forma absolutamente incomum. O filho de uma família de juristas, intelectuais e ministros escolheu ser carpinteiro. Pegou as madeiras que encontrava na praia para aos poucos construir uma das carreiras mais sólidas e respeitadas entre os designers de mobiliário contemporâneos do País. Mas, muito mais do que isso, construiu um modelo de vida em que os filhos, a mulher, a família, o surfe, a empresa, a gestão participativa, os treinos de natação nos finais de tarde, os projetos de casas para milionários ou a capacitação de um carroceiro que passa em frente ao seu ateliê convivem na mesma tela em perfeita combinação de peso e medida.

Ouvindo os ensinamentos de um caiçara perito na construção de canoas como seu Ernestino, com o mesmo genuíno e verdadeiro interesse com que absorveu os ensinamentos de Paulo Mendes da Rocha , Sérgio Rodrigues e outros mestres que foi trombando na vida, Motta vem calçando seu caminho reto, cada vez mais admirado por gente boa no mundo inteiro.

Sua vida está exposta. Em forma de cadeiras inspiradoras, de um livro feito com carinho e de um documentário caprichado. No Museu da Casa Brasileira, na avenida Faria Lima em São Paulo, até 4 de julho. E nas praias por aí, nos contrafortes da Mantiqueira, em Paris, na rua Aspicuelta, no sorriso de quem toca sua obra e é tocado por ela…