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Plataforma Azeredo deve fazer campanha em 2010 como réu

Em setembro de 2007, ISTOÉ revelou a existência do Mensalão Mineiro e publicou as provas do funcionamento deste esquema de caixa 2 montado em benefício de 159 políticos, principalmente o então candidato derrotado ao governo de Minas Gerais em 1998, Eduardo Azeredo, hoje senador pelo PSDB. Na quinta-feira 5, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu com atenção a conclusão do extenso voto do ministro Joaquim Barbosa, que confirmou todas as denúncias feitas em uma série de reportagens que, na ocasião, já haviam provocado a queda do então ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia. Em dois dias de leitura, Barbosa relacionou todos os documentos apresentados por ISTOÉ e reconheceu a autenticidade de cada um deles, a despeito de os acusados, durante dois anos, tentarem desqualificá-los. A poucos metros dali, no Senado, Azeredo acompanhou, pela televisão, seu enquadramento nos crimes de peculato e lavagem de dinheiro. Os dois crimes somam uma pena de 22 anos de cadeia. Ao aceitar a denúncia do Ministério Público Federal, Barbosa concluiu que Azeredo se beneficiou do esquema ilegal orquestrado pelo empresário mineiro Marcos Valério em 1998, quando recursos de empresas estatais mineiras foram desviados para abastecer ilegalmente a campanha tucana.

Com base nos recibos, depósitos latório devastador da Polícia Federal, cujos fac-símiles foram publicados por ISTOÉ, Barbosa se convenceu de que uma "organização criminosa" comandada por Valério para beneficiar a malsucedida campanha tucana de 1998, conhecida como "tucanoduto", abastecia o caixa 2 do PSDB de Minas com empréstimos fictícios e dinheiro público – nos mesmos moldes mais tarde adotados pelo PT. Barbosa quer juntar os julgamentos dos mensalões do PSDB e do PT. "Esse processo tem enorme similaridade com o outro. Os dois tratam de corrupção política da mais alta gravidade", disse o ministro.

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"Devem ser conduzidos com rigor e celeridade e devem ser julgados na mesma data, para que não haja tratamento desigual."

Apesar de todas as evidências, Azeredo ainda ganhou um tempo antes de sentar no banco dos réus porque o ministro José Antonio Dias Toffoli decidiu pedir vista do processo alegando dúvidas sobre o documento mais grave entre todas as provas: o recibo de R$ 4,5 milhões assinado por Azeredo quando as empresas de Valério, SMP&B e DNA, teriam lhe repassado este montante para saldar dívidas de campanha. "Esse documento me chama a atenção porque é o único que leva a uma vinculação material do acusado Eduardo Azeredo", justificou Toffoli. "O recibo é falso. Nunca foi assinado por mim", defendeu-se Azeredo. No entanto, Barbosa acredita na autenticidade do documento. "o teor do recibo desmonta, ao menos nessa análise preliminar, a alegação do acusado de que não se envolvia com questões financeiras durante sua campanha", disse o relator, que ficou contrariado com o adiamento da decisão final. "Se for só para esclarecer esse documento, não tem importância; o que está em jogo são os recursos transferidos das estatais", insistiu.

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OPERADOR o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia foi o comandante do caixa 2 e o primeiro a sair do cargo depois que o Mensalão Mineiro foi descoberto

Pelos sinais emitidos por alguns ministros, a situação política de Azeredo pode se complicar em 2010, quando ele tentará renovar seu mandato de senador. O próprio Dias Toffoli, apesar do pedido de vistas, elogiou abertamente o voto de Barbosa. "O senhor fez um excelente trabalho", disse ao colega. O ministro Carlos Ayres Britto praticamente antecipou seu voto ao corroborar com a ilação entre os dois mensalões. "Esse filme já é conhecido, parece o mesmo script", disse Britto.

Se a maioria dos ministros votar pela aceitação da denúncia, Azeredo se tornará réu. A preocupação de Barbosa é com o tempo. "Esse inquérito envolve fatos que ocorreram há 11 anos. A possibilidade de prescrição é real", advertiu o relator.

Para os tucanos, o julgamento no STF mereceu uma estratégia para preservar a imagem de Azeredo. Numa entrevista coletiva para a qual pediu a presença do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), Azeredo tentou desqualificar a acusação, comparando sua situação à do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Mensalão do PT. Pela lógica do senador mineiro, os beneficiários do esquema não devem ser punidos. "O presidente Lula também concorreu em situações semelhantes e ele não recebeu nenhum inquérito a respeito", afirmou. Ele, porém, esquece da contundência das provas. Uma peça importante, também mostrada pela primeira vez por ISTOÉ há dois anos, é a "Lista do Mourão". O principal coordenador financeiro da campanha, Cláudio Mourão, preparou uma relação com todos os beneficiários, que teriam recebido mais de R$ 100 milhões do esquema de punção do dinheiro público. Deste valor, cerca de R$ 90 milhões não foram declarados à Justiça Eleitoral. Oficialmente, o senador declarou apenas R$ 8,5 milhões em doações. Pelo menos R$ 53 milhões utilizados fraudulentamente na campanha foram movimentados pelas empresas de Marcos Valério. Para Barbosa, o papel de Mourão é semelhante ao de Delúbio Soares no caso do PT. O ministro Barbosa questiona principalmente os R$ 3,5 milhões que o governo Azeredo retirou da Companhia de Saneamento de Minas (Copasa), da Companhia Mineradora de Minas (Comig) e do Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge) para injetar nas empresas de Valério, que reaplicava o dinheiro na campanha do PSDB.

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Os laudos do Instituto nacional de criminalística da pF mostram que o Mensalão Mineiro tinha um esquema de lavagem de dinheiro sofisticado. O caixa 2 ocultava as doações e Valério era remunerado por intermédio de contratos superfaturados com as estatais, por serviços parcialmente executados, como foi o caso do patrocínio do Enduro da Independência, em 1998. As estatais eram contra o patrocínio imposto pelo governo de Azeredo. Em anos anteriores, o Enduro recebia entre R$ 50 mil e R$ 250 mil, mas naquele ano de eleições foram alocados para o evento R$ 3,5 milhões. O dinheiro era sacado em espécie nos bancos ou era transferido diretamente para as contas dos colaboradores de Azeredo. Valério fez empréstimos fictícios de R$ 28 milhões no Banco Rural, para tentar encobrir o esquema de lavagem de dinheiro. O ministro Barbosa observou que os repasses das estatais para a SMP&B e a DNA coincidiram com os empréstimos fictícios de Valério para lavar o dinheiro da campanha.

Quando o esquema de Azeredo e Valério começou a desabar, pois Mourão cobrava sua parcela de dinheiro no negócio, entrou como salvador da pátria o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia. O ministro deixou o cargo assim que ISTOÉ publicou uma série de reportagens mostrando seu envolvimento no esquema fraudulento de campanha de Azeredo. Em 2002, Walfrido tentou montar o que Barbosa chamou de "Operação Abafa", uma triangulação criminosa pela qual Valério repassou R$ 700 mil a Mourão. A empresa Samos Participações, de Walfrido, ressarciu Valério em R$ 507 mil. O dinheiro da Samos saiu de empréstimo no Banco Rural, no qual o próprio Azeredo é avalista. Mourão, em seu depoimento, revelou que recebeu ligação de Walfrido, perguntando se ele aceitava intermediação para resolver as pendências financeiras de Azeredo.

O senador tucano também tem contra si dezenas de depoimentos de coordenadores municipais, cabos eleitorais e políticos que o ajudaram em 1998. Todos estes ex-colaboradores receberam gordas doações de Valério para atuar na campanha. A SMP&B não tinha nenhum vínculo formal ou jurídico com o comitê eleitoral de Azeredo. Com tantas acusações, dificilmente Azeredo escapará da abertura de processo no STF. Sendo assim, já terá um bom discurso para a campanha de reeleição do ano que vem: explicar ao eleitor por que é réu.