Mulheres na direção, finalmente!”; “38% de artistas mulheres nas curadorias de mostras coletivas”; “Bem-vindos à Bienal feminista!” – o entusiasmo dos outdoors do coletivo nova-iorquino Guerrilla Girls contagia a entrada do Arsenale, antigo quartel de artilharia convertido em área expositiva da 51ª Bienal Internacional de Veneza. No hall, um enorme lustre construído pela portuguesa Joana Vasconcelos com absorventes íntimos femininos. Adiante, o filme da indiana Runa Islam, em que louças são espatifadas por uma moça delicada, as pinturas viscerais de Semiha Berksoy, da Turquia, e a radicalidade da performance da venezuelana Regina José Galindo dão o tom do que será um dos braços fortes da Bienal de Veneza: a mulher.

A sensação é confirmada por Rosa Martínez, curadora da exposição Sempre um pouco mais longe, montada no Arsenale. “O lustre de Joana Vasconcelos segue a tradição da arte pop, pois usa materiais industriais, mas cria uma poderosa metáfora da capacidade das mulheres de iluminar o mundo com suas visões. Essa entrada da exposição, de fato, constitui uma declaração de princípios”, diz Rosa Martínez, co-diretora da Bienal, ao lado de María de Corral, que montou a exposição A experiência da arte no Pavilhão Itália.

Nenhuma das curadoras, ambas espanholas, trabalhou com conceitos fechados. Ao contrário, apresentaram mostras abrangentes, integradoras. María de Corral, por exemplo, trouxe artistas referenciais para a atual geração, como o sul-africano William Kentridge, o americano Dan Graham e o brasileiro Cildo Meireles.

No Arsenale, o estatuto da mulher foi apenas o ponto de partida para refletir sobre a diversidade de temas e valores que movem a arte hoje. A mostra tem ótimos momentos nos trabalhos que realizam críticas institucionais, como a instalação sonora de Santiago Sierra, que analisa as regulações e proibições da Bienal de Veneza. Linha de ação semelhante à do catalão Antoní Muntadas, que ocupa o Pavilhão da Espanha, no espaço arborizado dos Giardini di Castello, com a série On translation: i giardini. O trabalho, que compara os pavilhões dos Giardini a empresas de locação de carros ou a brinquedos da Disney World, procura pensar o papel institucional das 30 representações nacionais da Bienal de Veneza dentro do sistema da arte e do espetáculo. Um tipo de questionamento que ganha força no Brasil, com o anúncio da abolição das representações nacionais da 27ª Bienal Internacional de São Paulo, que acontece em 2006. “Sou carioca ou mineira? Americana ou brasileira? Hoje, a geografia é irrelevante. O que está em questão é a mobilidade. O interesse de uma Bienal é poder usá-la como espaço experimental, de troca intelectual com curadores e artistas”, diz a artista Valeska Soares, uma das três brasileiras convidadas por Rosa Martínez.

Desejo do artista – O grupo Chelpa Ferro e o fotógrafo Caio Reisewitz, com seu belo trabalho sobre a arquitetura de interiores do poder, foram os artistas destacados para representar o País no Pavilhão do Brasil. Mas Valeska Soares veio com seu próprio pavilhão para a Bienal. Seu Foyer é uma caixinha de música que espelha o Arsenale na fachada, trazendo no interior um salão de baile em que os dançarinos estão sempre dessincronizados. “Foyers são pavilhões feitos para jardins, sem função nenhuma a não ser o desejo pessoal do construtor. Têm a ver com a materialização do desejo na esfera social”, diz a artista, que reside em Nova York há 12 anos. O atrito entre o público e o privado é uma dimensão também possível de ser localizada na obra da mineira Rivane Neuenschwander, que participa pela segunda vez da Bienal de Veneza e tem carreira internacional consolidada, com obras em coleções do MoMA, do Guggenheim e da Fundació la Caixa, de Barcelona. “O trabalho de Rivane é ao mesmo tempo intimista e social. Fala da incomunicação emocional, mas também das dificuldades implícitas em transmissões e deslocamentos contemporâneos”, diz Rosa Martínez. A instalação (…) convida o público a escrever cartas usando máquinas de escrever em que as letras foram substituídas por pontos.

As mensagens cifradas afixadas nas paredes de Rivane sugerem leituras subjetivas. Assim como os sinais luminosos de um barquinho para outro, no trabalho de Laura Belém. Em diálogo enigmático, os dois barquinhos Enamorados fecham o percurso de nove mil metros quadrados da mostra do Arsenale. A exposição, que começa feminista, ganha um desfecho romântico, com uma obra mimetizada ao espaço, parecendo ter estado ali desde sempre. Se os barcos ressoam os significados simbólicos de Veneza, cidade dos enamorados, o outro trabalho de Laura, a instalação sonora Escutura, também confunde-se ao lugar. Traz sons calmos de um amanhecer, cantos de pássaros e cigarras, que são interrompidos por um ataque de cães.

“A idéia é que o som se mescle ao ambiente real. Trabalhar o limite entre
realidade e ficção”, diz Laura. Ficção é outra palavra de ordem nesta Bienal.
Um de seus momentos altos é a instalação Casino, de Anette Messager, um
percurso fabuloso, teatral (e caro, custou R$ 6 milhões), que levou o Leão de
Ouro para o Pavilhão da França.