O filme Mondovino, lançado no Brasil em maio, alçou Michel Rolland ao posto de vilão. Para o diretor Jonathan Nossiter, esse renomado consultor francês de 57 anos estaria à frente de uma tentativa de reduzir o vinho à condição de produto de mercado, de fácil consumo e carente de personalidade. Como marqueteiro da vinicultura, Rolland não pouparia esforços para afinar o sabor do mais rude dos vinhos, tornando-o mais palatável. No banco dos réus, o enólogo afasta qualquer hipótese de padronização da bebida. Sua missão, diz, é tirar o maior proveito de cada terroir (região produtora). Sobre a aceitabilidade de seus rótulos, admite: “Vinho bom é aquele que vende bem.” Rolland mora com a mulher e duas filhas na região de Bordeaux, na França, mas está sempre viajando. Consultor de 100 vinícolas em 12 países (no ano que vem serão 14), guardou todos os bilhetes de embarque usados em 2001 e descobriu que havia tomado 167 aviões. Esta semana, esteve no Brasil para lançar dois rótulos da Miolo, da qual é consultor desde 2003, e falou a ISTOÉ.

ISTOÉ – O sr. gostou dos vinhos brasileiros quando veio pela primeira vez?
Michel Rolland
– Para ser honesto, não muito. Não sabia nada sobre a produção brasileira, estritamente nacional. Tradição se conquista com o tempo. Foi assim
em todos os países, inclusive na França. Em algum momento, os franceses foram obrigados a tomar vinhos ruins sem o saber.

ISTOÉ – Muitas vinícolas solicitam seus serviços. O que o faz aceitar?
Rolland
– Busco descobrir se o dono da vinícola tem real interesse em melhorar
seu produto ou quer apenas ter Michel Rolland como consultor. Se a intenção for sincera, aceito, desde que haja vinhedos e equipamentos viáveis. Não faço milagres.

ISTOÉ – O vinho nacional tem futuro?
Rolland
– Há várias regiões interessantes no Brasil, como o Vale dos Vinhedos e
o Vale do São Francisco. Cada uva se dá melhor em um lugar. No Brasil, produzem-se brancos e tintos nas mesmas regiões, mas isso vai mudar. Infelizmente, os brasileiros ainda não confiam em seus vinhos.

ISTOÉ – Por quê?
Rolland
– A maioria encontra produtos mais atraentes na Argentina e no Chile.
Na minha opinião, vinho bom é aquele que vende bem. Se não vende, mesmo
que você goste dele, trata-se de um vinho ruim que necessita de mudanças. A
idéia é termos uma vasta gama de vinhos que contemplem todos os gostos.
Bons vinhos encontram mercado. Muitos confundem bons vinhos com grandes vinhos, que são menos de 1%. Podemos sonhar com Petrus e Romanée Conti.
Mas quem os toma? Ninguém. Tomam-se vinhos de R$ 5 a R$ 25. Nessa faixa,
é possível fazer bons vinhos.

ISTOÉ – Em qualquer lugar?
Rolland
– Bons vinhos, sim. Grandes vinhos é outro assunto. Necessita tempo
para desenvolvê-los. Ainda não tenho experiência suficiente no Brasil para dizer
se poderemos fazer grandes vinhos aqui. Mas bons vinhos certamente sim.

ISTOÉ – Quando o terroir não ajuda, o que o enólogo pode fazer?
Rolland
– Mudanças em todo o processo de produção, na uva, na vinificação,
no envelhecimento. Podemos lançar mão de técnicas como a microoxigenação
(uma serpentina injeta oxigênio no vinho já fermentado, de modo a apressar
seu desenvolvimento e protegê-lo da oxidação precoce). Mas um vinho ruim
com microoxigenação será um vinho ruim microoxigenado. Nenhuma técnica
muda a personalidade do vinho.

ISTOÉ – O sr. foi acusado de fazer isso no filme de Jonathan Nossiter.
Rolland
– Besteira. É impossível eliminar as características de um terroir. Como comparar um vinho feito na região do Seival (RS) com um do Vale do São Francisco (PE)? Se Nossiter entendesse de vinho, saberia que os franceses e italianos eram ruins 30 anos atrás e que mudanças são bem-vindas. Sua intenção foi fazer um
filme polêmico para ter público. Agora que vive no Brasil, não precisa voltar à França ou aos Estados Unidos, onde o matariam (risos).

ISTOÉ – Também o acusam de tornar os vinhos todos iguais.
Rolland
– Fizeram na França uma degustação com 20 vinhos diferentes feitos
por mim e chegaram à conclusão de que são todos diferentes. Até ficaria feliz
se todos os vinhos fossem iguais, desde que bons. Infelizmente, há muita
porcaria no mercado.